Por Darci Norte Rebelo,
advogado (OAB/RS nº 2.437)
Primeiro dia: Zeus mandou reduzir as leis.
Segundo dia: Enviou Hermes à terra para ensinar aos homens a arte de compreendê-las.
Terceiro dia: [Re]criou os juizes, crente de que saberiam aplicar as leis tornadas simples e inteligentes e transformou o Ministério Público em promotores da segurança pública.
Quarto dia: Porque eram falíveis os julgadores, [re]criou os recursos.
Quinto dia: Ordenou que o Estado fosse tratado como devedor comum, terminando com os precatórios e com defesas repetitivas.
Sexto dia: [Re]criou os advogados que estavam desaparecendo como profissão.
Sétimo dia: Tentou descansar mas, diante do relatório de seu filho Hermes, revogou o heptálogo, sem redigir o sétimo mandamento, cuja intenção ficou desconhecida.
Nota do articulista - Para compreender o que ocorreu.
Zeus, onipotente senhor dos deuses, resolvera [re]criar o mundo [jurídico]. Concebera-o com poucas leis. Os legisladores haviam elaborado tantas normas que ninguém conseguia [des]ocultar seus significados. Diante disso, Zeus tentou pôr ordem no caos e ordenou que os homens fossem [re]governados por poucas e sábias leis. Isso foi o que fez no primeiro dia.
No segundo dia, enviou Hermes, seu filho, como mensageiro para ensinar a arte, já esquecida, de [des]velar significados, [re]ler, nos textos [aquilo que não está dito], escutar silêncios como intervalos da linguagem, [con]viver num mundo de símbolos e signos, resumindo, “compreender para interpretar”. Mas os homens estavam surdos à mensagem dos mandamentos. Como já havia dito o poeta Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac, não conseguiam sequer ouvir e entender estrelas.
Por isso, no terceiro dia, Zeus [re]criou os juízes, [re]novou-lhes a jurisdição e o poder da vida e da morte de patrimônios, direitos e liberdades, mas para ser exercido com [júris]prudência. Obviamente lhes impôs algumas exigências como a judicatura de tempo integral, válida para todos os graus. Havia, ainda, muitos juízes transformados em professores que, ao invés de sentenças, corrigiam provas e, ao invés de julgar, davam aulas de aplicação do Direito, em que se revelavam exímios, tornando-se instrumentos de uma suposta vontade dos legisladores [a isso se chamava positivismo]. Já os promotores, teriam de dedicar-se primordialmente às questões de segurança pública, deixando de freqüentar as ágoras ávidas de novidades e deixar os prefeitos governar.
Porque falíveis eram os julgamentos humanos, no quarto dia, Zeus [re]criou o sistema recursal para permitir a revisão dos julgados e, dentro dessa política, no quinto dia, ordenou que o Estado fosse tratado como devedor comum e pôs fim aos recursos protelatórios do poder público em geral, o maior ocupante da pauta do Areópago. Pensava, honestamente, terminar com o calote.
No sexto dia, Zeus, finalmente, resolveu [re]criar os advogados que quase haviam desaparecido no momento em que o número de leis chegara a tal expressão que era impossível conhecê-las e muito menos prever o que delas fariam os tribunais. A Advocacia se tornara uma arte divinatória que dispensava esses bacharéis como tal, substituídos facilmente por videntes ou por sistemas lotéricos, já que as sentenças, em tais circunstâncias, passaram a ser decididas através de sorteio de procedência/improcedência com assinaturas digitais.
Revelando inocultável estafa, no sétimo dia, Zeus, após ouvir o relato da repercussão geral provocada pelos seis primeiros decretos, resolveu revogar o heptálogo. Havia greve na legislação, na jurisdição e no Ministério Público. O Poder Público, sem o calote dos precatórios, ameaçava paralisar a máquina do Estado. Os advogados, já habituados com as adivinhações de sentenças, estavam em dúvida sobre a reforma de Zeus, pois a maioria havia adquirido bolas de cristal, importadas de famoso centro exportador de cristais, na Checolosváquia, e adquirido o Windows de Profecias de Bill Gates.
Os escritórios, assim, tinham se transformado em oráculos e as advogadas, em pitonisas, profissões em desuso desde os tempos heróicos.
Era demais tudo isso para Zeus que resolveu revogar os mandamentos e, assim, descansou no sétimo dia, dedicando-se a seu esporte favorito que envolvia conquistas amorosas, entre deusas e mortais, um dos seus mais fortes predicados. Segundo Hermes, seu Pai nunca mais se envolveu com assuntos da Justiça.
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