A juíza Márcia Padula Mucenic, da 6ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, reconheceu a despedida discriminatória de uma imigrante haitiana que atuava como auxiliar de limpeza em um abrigo de menores, por meio de uma empresa terceirizada.
Além da indenização por danos morais, de R$ 15 mil, a fundação estadual, tomadora dos serviços, e a empregadora foram condenadas, solidariamente, a remunerar em dobro a empregada desde a despedida imotivada até a data da sentença (artigo 4º, II, da Lei nº 9.029/95). O valor provisório da condenação é de R$ 40 mil.
Em audiência, as testemunhas confirmaram que a despedida aconteceu a pedido da fundação e que a empregadora nada fez para manutenção do contrato, uma vez que não havia queixas prévias sobre o desempenho da trabalhadora. De acordo com as provas documentais, a empregada era assídua e não houve qualquer advertência ou reprovação relacionada ao trabalho.
Alegações das rés
Nas defesas, a fundação e a prestadora de serviços afirmaram que a rescisão aconteceu em razão do término do contrato por tempo determinado. Alegaram, ainda, que outras empregadas foram dispensadas no mesmo período, o que, no entanto, não foi comprovado.
Com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), a juíza Márcia destacou que a Administração Pública deve motivar, com fundamentos razoáveis, a despedida de empregados públicos. Isso em razão dos princípios constitucionais da impessoalidade, publicidade e moralidade.
“A segunda reclamada, na qualidade de tomadora dos serviços, só poderia licitamente requerer a substituição de trabalhadores à empresa terceirizada mediante justa e fundamentada motivação baseada na má-prestação dos serviços pelo empregado. À empresa contratada, por sua vez, cabe acolher o requerimento da tomadora somente se ficar constatado o descumprimento das obrigações relativas à execução do serviço”, afirmou a magistrada.
Também fundamentou a sentença o Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2024).
“Em razão das raízes históricas em que se funda o Brasil desde a colonização portuguesa, que adotou o modelo escravocrata de trabalho desde a sua origem, vivemos em constante convivência e contato com o que se conhece como Racismo Estrutural. Como um fenômeno decorrente da estrutura da sociedade brasileira, grupos racialmente identificados são discriminados de forma sistemática, direta e indiretamente, consciente e inconscientemente, e de forma indevidamente naturalizada”, ressaltou.
Análise do caso
Para a juíza, a discriminação se torna ainda mais grave quando é múltipla ou interseccional, o que ocorre quando dois ou mais fatores discriminatórios recaem sobre um mesmo indivíduo, agravando a vulnerabilidade: “É o caso da autora, que é mulher, negra e estrangeira e está vulnerável a discriminações de gênero, de raça e de origem”, concluiu a magistrada.
A fundação e a empregadora apresentaram recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4).
Fonte: TRT4