|   Jornal da Ordem Edição 4.327 - Editado em Porto Alegre em 26.06.2024 pela Comunicação Social da OAB/RS
|   Art. 133 - O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Constituição Federal, 1988
NOTÍCIA

11.05.07  |     

Romance forense - A estagiária “co-autora” de um delito

O atendimento ao público na Promotoria do Foro da média cidade corria normalmente.  A estagiária atuava com tranqüilidade. Quando necessário, ia ao cartório, procurava pelo processo e sentenciando em tom magistral, decidia “in limine” a consulta a ela formulada. Ainda era estudante e a ela fora conferida tanta responsabilidade!  O Direito já não lhe parecia ser difícil.  E, neste clima, surgiu uma mãe queixosa, nervosa e aflita. 
 
- "Minha filha tem 14 anos, é honesta, namorou um rapaz por um mês, acreditou nele e agora fugiram.  Quero o casamento deles!  Ela não tem pai e me mandaram aqui para que tudo fosse solucionado”.
 
A estagiária pensou rapidamente e disparou:  
 
- “Se eles se gostam e fugiram, o casamento é a solução.  Se ele não aceitar a união legal, não é aceitável incentivar o concubinato.  Analisaremos a questão sob o prisma penal.  Não tendo havido violência ou grave ameaça e excluída também a violência ficta, não há que se falar em estupro.  Com relação ao delito de sedução, tenho cá minhas dúvidas, pois o tempo de namoro não foi suficiente para captar e viciar a vontade da vítima, isto é, paparicá-la antes, para papá-la depois”.
 

- "Nossa, moça!  Credo!  Eles só querem se casar" - rebateu a mãe.
 
- "Mais simples, então" - respondeu aliviada a estagiária, pedindo que a mãe trouxesse, com urgência, um atestado médico comprovando que sua filha fora deflorada e que reunia condições para assumir o casamento. No dia seguinte a mãe foi novamente ao Foro. 
 
- "Moça, o médico do Posto de Saúde deu o atestado, mas escreveu que minha filha é virgem"...
   
- "Não pode ser, minha senhora!  Se eles fugiram é porque não agüentaram esperar pelo casamento.  Logo, sua filha não é virgem" - ponderou a estagiária.
 
- "Mesmo assim, eles querem o casamento" - confirmou a mãe.
 
- "Impossível!  Se ela for virgem, não há como suprir-lhe a idade para casamento.  As coisas permanecem como estão! Faz de conta que a sua filha foi passar alguns dias na casa da tia e só agora retornou.  E se alguém levantar alguma fofoca, exiba o atestado médico provando que ela é virgem. Assim, o seu problema estará resolvido da melhor forma".
 
A mãe concordou. Mas deu um recuo.
 
- "Mas, moça, no fundo eles querem o casamento".
 
- "Olha, dona, para casar só se tiver atestado afirmando que ela não é mais virgem.  Ou muda o atestado ou . . ."
 
- "Ou o quê?" - indagou a queixosa.
 
- "Ou eles fazem logo aquele... negócio íntimo... para acabar a novela.  No caso dela, para poder casar, ela não pode ser virgem, entendeu? É a lei.  E a vontade da lei é que o ato sexual seja consumado antes do casamento.  Primeiro deflora, depois é que se implora" - finalizou com um sorriso malicioso.
 
- "Então é melhor eu ir embora e conversar com eles.  Vou colocar o rapaz na parede.  Ou enfrenta o problema de uma vez ou me entrega a filha do jeito que está.  Ou sai de cima ou fica para valer".         
         
- "É, mas vai com jeitinho, né?  A senhora sabe, estas coisas são delicadas e se começar a pressionar e exigir, aí não sai nada.  Dá umas dicas, cria um clima romântico, compre uma colcha de casal e os presenteie.  Se, mesmo assim, nada resolver, é até bom, porque a senhora vai descobrir que o rapaz tem problemas.  Se não deflorou é porque brochou, né?" - concluiu a estagiária com ar professoral. 
 
E, mais uma vez, no dia seguinte, a mãe compareceu à Promotoria, acompanhada, agora, da filha e do pretendente a genro.  Um pouco mais satisfeita, entregou um envelope lacrado do hospital. Dentro, em maiúsculas letras, vinha atestado que a menor não era mais virgem.  O casal, tímido, sentado na pequena saleta, deixou escapar um pequeno sorriso. A mãe, segurando o documento como se fosse uma carta de alforria, exclamou:
 
- "Nós conseguimos, graças a Deus!"
 
-"Graças a Deus, sim" - concordou a estagiária.  Mas não graças a nós.! Não me inclua como responsável.  Eu simplesmente aconselhei a senhora...  e se falar para alguém, podem até pensar que eu induzi ou instiguei o defloramento.  
 
A madura mãe, entendendo a colocação da estagiária, desculpou-se. O importante é que os conselhos dados tinham sido seguidos à risca e a empreitada tivera êxito.  A filha foi deflorada, agora vai casar e  o inibido casal - meio sem graça e sem jeito - convidou para amadrinhar o casamento justamente a estagiária. Ela, no íntimo, sabe que, indiretamente, contribuiu - não para a prática de um delito - para o casamento.  
 
E viva o jeitinho brasileiro!
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(*) Colaboração de Eudes Quintino de Oliveira Júnior, procurador de Justiça aposentado, adaptada pela editoria do Espaço Vital
 

Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759

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