Uma alegação feita pela Ordem dos Advogados do Brasil na ação que questiona a Lei de Anistia pode se voltar contra quem recebeu indenizações do governo federal em reparação a sanções recebidas durante o regime militar. Ministros do STF afirmam que, se a Lei de Anistia (Lei 6.683/79), editada durante, não foi recebida pela Constituição de 1988, como alega a OAB, os anistiados que receberam indenizações pelos danos sofridos naquele período, terão de devolver o que receberam.
Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, ajuizada em outubro do ano passado, a OAB pede que o STF esclareça qual deve ser a interpretação da lei quanto ao perdão de crimes cometidos por torturadores, previsto no artigo 1º, parágrafo 1º, da norma. Para a Ordem, os homicídios, desaparecimentos forçados, torturas e abusos sexuais contra opositores do regime não podem ser considerados crimes políticos, mas comuns. Esse enquadramento não só tiraria esses crimes da anistia quanto impediria que prescrevessem. Na ADPF, a OAB afirma que esses crimes são imprescritíveis, de acordo com a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, aprovada e ratificada pelo Brasil. A tortura, em particular, também foi citada na Constituição Federal de 1988 como crime insuscetível de anistia (artigo 5º, inciso XLIII). O Supremo ainda não julgou a matéria.
Os autores da ação, os advogados Fábio Konder Comparato e Maurício Gentil Monteiro, também questionam a legitimidade da Lei de Anistia de 1979. Eles alegam que a aprovação foi dada pelo Senado Federal numa época em que um terço dos senadores não era eleito pelo povo, mas indicado pelos ocupantes do poder por meio de eleições indiretas. “Um em cada três senadores não tinha nenhuma legitimidade democrática”, afirmam os advogados. Eles também apontam que a lei “foi sancionada por um chefe de Estado que era general do Exército e fora guindado a essa posição, não pelo povo, mas pelos seus companheiros de farda”.
Na tese defendida pela OAB, a Lei 6.683/79 teria de ser legitimada em nova votação pelo Congresso, depois que a Constituição de 1988 entrou em vigor, ou por referendo popular.
O argumento da Ordem já foi rebatido em parecer pela Advocacia-Geral da União. “A anistia conferida (…) foi ratificada pela Emenda Constitucional 26/85, ato do qual a própria Constituição de 1988 extrai sua legitimidade”, diz o documento. “Entendimento diverso resultaria na invalidade não apenas da Lei 6.683/79, mas de todos os atos normativos editados à época”, alertam os advogados da União Ana Carolina Laferté e Henrique Augusto Fulgêncio, no parecer.
Alguns ministros do Supremo, no entanto, entendem que, se for afastada a legitimidade da Lei de Anistia, todas as indenizações pagas pelo governo federal como reparação às vítimas e familiares de vítimas da repressão terão de ser devolvidas. A anistia dada em 1979 — de caráter penal — deu origem às indenizações pagas conforme o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, regulamentado pela Lei 10.559/02, e a Lei 9.140/95.
Números do Ministério da Justiça mostram que, desde que a Comissão de Anistia foi criada, em 2001, já foram autorizados mais de R$ 2,5 bilhões em indenizações, pagas pelos ministérios do Planejamento a anistiados civis, e da Defesa, aos militares. Até o fim do ano passado, a Comissão analisou 37,3 mil pedidos e concedeu 24,6 mil reparações. As dez indenizações mais vultuosas somam R$ 29,8 milhões.
Os valores são calculados com base na remuneração que o anistiado receberia hoje, caso não tivesse sido afastado da atividade em que trabalhava na época do regime. Quem foi prejudicado por causa da perseguição política, mas não tem como comprovar os vínculos empregatícios, recebe a indenização em uma única parcela. São pagos 30 salários mínimos para cada ano ou fração de perseguição.
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Fonte: Conjur
Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759