O entendimento foi de que o fato de a atividade cartorária ser exercida com emprego de capital e objetivo de lucro abduz a noção de remuneração do próprio trabalho, que seria a condição para aplicação do regime especial ora sob júdice.
Não se aplica à atividade de registros públicos a sistemática de recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) prevista no par. 1º do art. 9º do Decreto-Lei 406/68. Segundo a 1ª Seção do STJ, não é possível o enquadramento dos tabeliães como profissionais liberais, pois, além de manifesta a finalidade lucrativa, não há a prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte.
O titular de um cartório do município de Tramandaí (RS) questionou na Justiça a incidência do ISS sobre o "preço do serviço", alegando que a cobrança sobre sua receita bruta atingia a mesma base de cálculo do Imposto de Renda, caracterizando bitributação. Afirmou que o Executivo local não pode cobrar a taxa na forma pretendida, pois está invadindo a competência tributária da União. Alegou ainda que há, assim, ofensa ao princípio da isonomia, pois os cartorários deveriam pagar o ISS de acordo com o art. 9º, par. 1º, do Decreto-Lei nº 406, da mesma forma que os médicos, advogados e outros profissionais autônomos. Segundo ele, os serviços de registros públicos são prestados de forma pessoal por delegados aprovados em concurso público, os quais, inclusive, respondem pessoalmente pelos atos praticados.
O TJRS, porém, entendeu que os cartórios devem ser tributados com base no preço do serviço, e afastou o recolhimento privilegiado ou por trabalho pessoal. Em recurso especial dirigido ao STJ, o requerente considerou descabido o caráter empresarial atribuído à atividade, afirmando que as serventias não detêm sequer personalidade jurídica.
Segundo o ministro Mauro Campbell Marques, relator do recurso especial sobre a matéria, o art. 236 da CF/1988 e a legislação que regulamenta esses serviços permitem a formação de uma estrutura economicamente organizada para a prestação do serviço de registro público, assemelhando-se ao próprio conceito de empresa. "É evidente que a prestação do serviço efetiva-se através da combinação dos fatores de produção (sobretudo contratação de mão de obra e tecnologia), associada à finalidade lucrativa. Nesse contexto, embora não seja atividade empresarial, a prestação de serviços de registros públicos ocorre através de estrutura economicamente organizada", destacou.
Para o magistrado, autor do voto vencedor, os argumentos quanto à eventual bitributação e quebra da isonomia envolvem questões constitucionais, de competência do STF, e não podem ser analisados em recurso especial.
Quanto à aplicação do par. 1º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406, o julgador disse que o regime especial estabelecido nesse dispositivo segue critérios fixos, que não têm vinculação com o valor pago pelos serviços, mas "impõe como condição a prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte".
Citando precedentes do STJ e do STF, Campbell lembrou que o fato de a atividade cartorária ser exercida com emprego de capital e objetivo de lucro afasta a noção de remuneração do próprio trabalho, que seria a condição para aplicação do regime especial.
Processo nº: REsp 1328384
Fonte: STJ
Marcelo Grisa
Repórter
Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759