Em São Francisco de Assis, interior do RS, vi um cuiudo simplesmente atacar outro cavalo só porque ele ousou se aproximar de uma égua. E olha que nem era outro cuiudo no sentido completo da idéia.
A agressão foi imediata e descontrolada. Enquanto o pessoal da fazenda tomava as medidas necessárias eu, um indivíduo acostumado à vida urbana, me restringi a observar. Acabei vendo, no cuiudo, o homem. Tive a nítida impressão de que, de muitas maneiras, agimos da mesma forma, apenas um pouco mais disfarçadamente.
Assim como o animal, nós homens passamos olhando para as mulheres que nos cercam. Instintivamente queremos nos aproximar de todas as que nos agradam e, se encontramos uma que desperte uma atração maior, rapidamente surge o desejo de possui-la sexualmente. Assim como o cuiudo, passamos a considerá-la nossa propriedade. Ou será que somos como os cães machos, que compartilham de bom grado a fêmea no cio? Como é nosso instinto? Não há dúvida de que o ciúme por uma mulher e o fato de se sentir traído já levou muito homem a tirar a vida do seu concorrente e, não raro, da própria mulher. Mas, qual o limite entre nosso instinto e nossa cultura?
O que sei é que existem muitas culturas que, muitas vezes, diferem bastante entre si. Além disso, elas mudam com o tempo e, eventualmente, extinguem-se, mas não podemos dizer o mesmo de nossa parte animal.
Mas este instinto do cuiudo tem aplicações mais pesadas nesta doentia sociedade do capital, como a perseguição do próprio capital e do status social. É possível que se aceite mais facilmente a competição em relação às mulheres do que em questões de dinheiro, negócios e status. Aqui você vai ver verdadeiras feras defendendo, a qualquer custo, suas conquistas. Cabe notar que tais pesos e medidas aplicam-se de forma diferenciada de acordo com as nacionalidades e as classes sociais dos indivíduos.
Tudo isto pensei enquanto observava a captura do cuiudo enfurecido. Coincidiu o momento em que o bicho finalmente foi capturado com minha conclusão sobre o cavalo e os homens: a chave de tudo é a competição.
Percebi também a obviedade do fato de que nossa sociedade do capital incentiva e valoriza de forma extrema nosso instinto competitivo. A idéia é botar uns contra os outros para, quem sabe, ocuparmo-nos e produzirmos mais enquanto, convenientemente, pensamos menos. A suposição de que o crescimento é a única resposta para tudo e que a competição é o valor a perseguir está baseada numa série de erros e este modelo vai, inevitavelmente, fracassar. De fato isto já está acontecendo, basta olhar ao redor. Mas ainda vai piorar, e muito.
Quando o cuiudo foi aprisionado olhei para ele e pensei: depois de nos ferrarmos de verdade, teremos aprendido algo?
(*) Trecho de artigo originalmente publicado em www.arevista.com.br
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