|   Jornal da Ordem Edição 4.291 - Editado em Porto Alegre em 06.05.2024 pela Comunicação Social da OAB/RS
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NOTÍCIA

15.02.13  |  Família   

Mulher obtém direito de que companheira adote sua filha biológica

Entendimento foi de que o registro com duas mães não geraria mais discriminação do que a presença de apenas uma mãe nos documentos da menor; decisão lembrou também que, até recentemente, filhos de pais separados também sofriam preconceito.

É possível a adoção unilateral de filha concebida por inseminação artificial, para que ambas as companheiras em união estável homoafetiva passem a compartilhar a condição de mãe da adotanda. A 3ª Turma do STJ, na totalidade de seus votos, negou o recurso do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que pretendia reformar esse entendimento.

Na 1ª instância, a mulher que pretendia adotar a criança gerada pela companheira obteve sentença favorável. O MP recorreu, mas o TJSP manteve a sentença por considerar que, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Constituição Federal (CF), a adoção é vantajosa para a menor e permite o exercício digno dos direitos e deveres decorrentes da instituição familiar. "Não importa se a relação é pouco comum, nem por isso é menos estruturada que a integrada por pessoas de sexos distintos", afirmou o Tribunal. A Corte também observou que "a prova oral e documental produzida durante a instrução revela que, realmente, a relação familiar se enriqueceu e seus componentes vivem felizes, em harmonia".

Em recurso ao STJ, a recorrente sustentou que seria juridicamente impossível a adoção de criança ou adolescente por duas pessoas do mesmo sexo. Afirmou que "o instituto da adoção guarda perfeita simetria com a filiação natural, pressupondo que o adotando, tanto quanto o filho biológico, seja fruto da união de um homem e uma mulher".

A companheira afirmou a anuência da mãe biológica com o pedido de adoção, alegando a estabilidade da relação que mantém com ela e a existência de ganhos para a menor.

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, disse ser importante levar em conta que, conforme consta do processo, a inseminação artificial (por doador desconhecido) foi fruto de planejamento das duas companheiras, que já viviam em união estável. Ela ressaltou que a situação começa a fazer parte do cotidiano das relações homoafetivas e merece, dessa forma, uma apreciação criteriosa. "Se não equalizada convenientemente, pode gerar – em caso de óbito do genitor biológico – impasses legais, notadamente no que toca à guarda dos menores, ou ainda discussões de cunho patrimonial, com graves consequências para a prole", afirmou. 
Segundo a magistrada, não surpreende – nem pode ser tomada como entrave técnico ao pedido de adoção – a circunstância de a união estável envolver uma relação homossexual, porque esta, como já consolidado na jurisprudência brasileira, não se distingue, em termos legais, da união estável heteroafetiva.

Para a julgadora, o argumento do MP-SP impediria não só a adoção unilateral, como no caso em julgamento, mas qualquer adoção conjunta por pares homossexuais. No entanto, afirmou que, em maio de 2011, o STF consolidou a tendência jurisprudencial no sentido de dar a essas relações os mesmos efeitos jurídicos das ocorridas entre pessoas de sexo diferente. "A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas trouxe como corolário a extensão automática, àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional", observou.

De acordo com Nancy Andrighi, o ordenamento jurídico brasileiro não condiciona o pleno exercício da cidadania a uma determinada orientação sexual: "Se determinada situação é possível ao extrato heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e a todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza."

A ministra pontou que a existência ou não de vantagens para a criança, em um processo de adoção, é o elemento subjetivo de maior importância na definição da viabilidade do pedido. Segundo ela, o adotando é "o objeto primário da proteção legal", e toda a discussão do caso deve levar em conta a "primazia do melhor interesse do menor sobre qualquer outra condição ou direito das partes envolvidas".

De acordo com a relatora, o recurso se apoia fundamentalmente na opção sexual da adotante para apontar os inconvenientes da adoção. Porém, segundo ela, "a homossexualidade diz respeito, tão só, à opção sexual. A parentalidade, de outro turno, com aquela não se confunde, pois trata das relações entre pais/mães e filhos."

A julgadora considera que merece acolhida a vontade das companheiras, porque é fato que o nascimento da criança ocorreu por meio de acordo mútuo entre a mãe biológica e a adotante. Tal como ocorre em geral nas reproduções naturais ou assistidas, onde os partícipes desejam a reprodução e se comprometem com o fruto concebido e nascido, também nesse caso deve persistir o comprometimento do casal com a nova pessoa. "Evidencia-se uma intolerável incongruência com esse viés de pensamento negar o expresso desejo dos atores responsáveis pela concepção em se responsabilizar legalmente pela prole, fruto do duplo desejo de formar uma família."

Nancy Andrighi também questionou o argumento do MP a respeito do "constrangimento" que seria enfrentado pela adotanda em razão de apresentar, em seus documentos, "a inusitada condição de filha de duas mulheres". Na opinião dela, certos elementos da situação podem mesmo gerar desconforto para a menina, "que passará a registrar duas mães, sendo essa distinção reproduzida perenemente, toda vez que for gerar documentação nova".

Porém, a ministra considerou que essa diferença persistiria mesmo se não houvesse a adoção, pois haveria maternidade singular no registro, que igualmente poderia dar ensejo a tratamento diferenciado. "Essa circunstância não se mostra suficiente para obstar o pedido de adoção, por ser perfeitamente suplantada, em muito, pelos benefícios outorgados pela adoção", concluiu. Ela lembrou que ainda hoje há casos de discriminação contra filhos de mães solteiras, e que, até recentemente, os filhos de pais separados enfrentavam problema semelhante.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.

Fonte: STJ

Marcelo Grisa
Repórter

Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759

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