02.04.07 |
Ministros “heróis” engordam seus ganhos como conselheiros de empresas estatais
Classificados de "heróis" pelo presidente Lula por aceitarem trabalhar no governo com baixos salários, ministros se valem dos conselhos de administração das estatais para melhorar sua remuneração mensal. O extra varia de R$ 800 a até R$ 13.172 por mês, como no caso dos conselheiros da cobiçada Itaipu Binacional.
A estratégia é usada não só para melhorar o rendimento de ministros de Estado mas também o de funcionários do segundo escalão, assessores especiais ligados diretamente a Lula e até por aliados dos tempos de sindicalistas do presidente. As informações são da Folha de S. Paulo, em sua edição de ontem (1º). O texto é dos jornalistas Humberto Medina e Valdo Cruz.
Fora Itaipu, a média dos jetons é de R$ 2.000 mensais. O menor valor é pago pela Radiobrás, R$ 800. O maior, pela Petrobrás, R$ 4.354. Não há limite de participação em conselhos, mas sim de remuneração -no máximo duas.
Com isso, o baixo salário atacado por Lula de R$ 8.362,80 pode ficar entre R$ 14.300 e R$ 25.800 brutos se o ministro acumular seu salário com duas vagas de conselheiro. No primeiro caso, teria de estar no conselho da Petrobras e da Eletrobras (R$ 2.500). No segundo, de Itaipu e Petrobras.
Os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Silas Rondeau (Minas e Energia), Guido Mantega (Fazenda), Márcio Fortes (Cidades), Luiz Marinho (Previdência) e Paulo Bernardo (Planejamento) estão entre os que integram conselhos de administração de estatais e complementam seu salário de R$ 8.362,80, mais apartamento funcional ou auxílio moradia de R$ 1.800.
Rondeau ocupa cinco conselhos, mas é remunerado só em dois por conta do limite da legislação - Itaipu e Petrobras - fazendo seu salário chegar a R$ 25.800. Dilma atua no Conselho da Petrobras desde que era ministra de Minas e Energia. Mantega integra o do Bndes.
O governo justifica que "todos são obrigados a participar das reuniões para receber os jetons e atuam em setores ligados à sua área de atuação ou de responsabilidade". Essa última regra, porém, não é totalmente seguida em outras esferas.
O sindicalista e bancário João Vaccari Neto, por exemplo, ocupa o assento do conselho de Itaipu Binacional e recebe R$ 13.172,00 brutos, cerca de R$ 9.000 líquidos, para participar das reuniões do conselho da hidrelétrica. Vaccari é filiado ao PT e à CUT (Central Única dos Trabalhadores) e segundo suplente do senador Aloizio Mercadante (PT-SP).
Dois outros casos de conselheiros que atuam em estatais sem nenhuma ligação com seu trabalho de origem são assessores especiais da Presidência: Cezar Santos Alvarez no BNB (Banco do Nordeste do Brasil) e Mirian Belchior na Eletrobras.
O BNDES acolhe outros dois sindicalistas em seu conselho: um da CUT, seu ex-presidente João Felício, e outro da Força Sindical, João Pedro Moura. Por mês, recebem R$ 3.000. O banco informa que eles integram o conselho porque uma das principais fontes de recursos da instituição é o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Os "heróis"
Lula chamou os ministros de heróis em cerimônia de posse de sua nova equipe. "Quando fico vendo ministros que ganhavam muito bem vindo ganhar R$ 7.000 ou R$ 8.000 eu falo: são heróis, porque tem gente da mais alta qualificação."
O salário dos ministros poderá subir dos atuais R$ 8.362,80, mais direito a moradia, para R$ 16.250 se for aprovado projeto em discussão no Congresso que corrige em 26,5% os salários dos parlamentares. Além desse reajuste, o projeto iguala o vencimento dos ministros aos dos deputados e senadores, que ganham hoje R$ 12.847, além de outras verbas de gabinete.
Os conselhos de administração são usados também nos ministérios econômicos e de infra-estrutura para atrair técnicos do setor privado ou evitar a perda de funcionários.
Leia a íntegra do discurso do presidente Lula na cerimônia de posse (16 de março) dos novos ministros da Justiça (Tarso Genro), Saúde (José Temporão) e Integração Nacional (Geddel Vieira Lima):
"Vocês sabem que nessa tomada de posse, aqui dentro do Palácio, os ministros não falam, porque eles vão falar na hora da transmissão, da posse no ministério deles.
Eu queria dizer para vocês que este é sempre um momento de dupla, eu diria, face, para um presidente da República. Você está tirando um companheiro e está colocando outro companheiro. Triste pelos que saem, alegre pelos que entram.
O que está acontecendo neste momento, na história do nosso querido país, não é apenas a troca de um homem por outro homem, de uma mulher por outra mulher ou de um partido por outro partido. O que nós estamos consagrando, a cada ministro que eu nomeio, é um novo jeito e uma nova forma de fazer política no nosso país. Aliás, eu penso que é um momento de aprendizado para todos nós, que é a construção de uma política de coalizão que envolve partidos políticos, que envolve governadores, que envolve prefeitos e que envolve a experiência acumulada de cada um de nós em todos esses anos que fazemos política. Eu, pelo menos há 30 anos, da vida sindical à Presidência da República, e vocês, alguns de primeiro mandato, e outros já de muitos e muitos mandatos.
Não posso falar bem dos que estão entrando, porque eu preciso saber do trabalho deles primeiro, mas eu posso falar dos que estão saindo. Eu queria começar pelo Márcio Thomaz Bastos. Muita gente imaginava, ao longo da história, que o Márcio Thomaz Bastos era do PT. Muitas vezes, o Márcio discutia comigo se deveria entrar ou não no PT, e eu dizia: Márcio, um advogado que atingiu a qualidade e a grandeza que você atingiu, não é prudente você estar afiliado a um partido político. Até porque o advogado nunca é advogado de pessoas que não cometeram nenhuma falha, ou seja, os advogados normalmente são chamados para defender grandes causas. No caso do Márcio, as maiores que aconteceram no país. E o Márcio, portanto, não é um companheiro do PT.
Um dia, um jornalista perguntou para o Márcio se ele cobrava muito caro o serviço dele. Ele falou: "olha, eu cobro caro. Agora, a única pessoa para quem eu advogo de graça é para o Lula". Isso no tempo em que eu era apenas dirigente sindical. E o Márcio veio ser ministro da Justiça. Eu penso que nessas coisas a história é que vai se encarregar de fazer a avaliação do trabalho de cada um de nós. Muitas vezes, a avaliação é feita ainda quando a gente está na função, outras vezes a avaliação é feita depois que a gente deixa a função e, muitas vezes, ela é feita quando a gente nem existe mais. Minha mãe me dizia: "meu filho, você só vai dar valor às coisas quando você não tiver mais as coisas a que você não dá valor enquanto elas existem".
Eu acho que todos nós que militamos na política sabemos o que representou a presença de uma cabeça equilibrada como a do Márcio no Ministério da Justiça. Primeiro, a sua capacidade de dialogar com todos os segmentos da sociedade. Vira e mexe tinha alguém acusando o governo na tribuna do Congresso Nacional, e vira e mexe a pessoa descia da tribuna e telefonava para o Márcio: "eu precisava conversar com o senhor, Ministro", porque sabia que o Márcio tinha isenção suficiente, apesar de ser ministro do governo, para tratar determinados assuntos que poucas pessoas têm condições de tratar, pela alta qualificação profissional que atingiram durante a sua vida.
Todo mundo sabe que o Márcio está saindo porque ele cansou. Não cansou da vida, cansou de ser ministro. Ele está naquela idade, jovem, que ele acha que ir para o Guarujá, na praia, dois dias por semana, é melhor do que vir para a Esplanada dos Ministérios. E eu acho que é merecido. O Márcio é daquelas pessoas que eu venho empurrando há uns seis meses. Todas as vezes que ele entrava na minha sala: "Presidente, eu precisava sair". Eu falava: amanhã, depois de amanhã. Tem outros assim, mas vou levando.
Então, meu querido Márcio, eu quero, não eu, eu acho que os partidos políticos, os deputados, os senadores, mas eu acho que o Brasil é grato por um dia você ter aceito ser Ministro da Justiça deste país. E, certamente, vai continuar sendo meu advogado, porque quem já foi presidente, governador, prefeito, sabe que os processos contra a gente aparecem quando a gente não tem mais o mandato. Então, prepare uma mesa, um bloco de papel, que eu vou precisar de advogado, gratuito ainda, sem cobrar. Márcio, muito obrigado, querido, muito obrigado mesmo.
O Tarso Genro é um companheiro que vocês conhecem. Eu vou deixar para falar do Tarso Genro depois da posse dele. Mas, Tarso, toda a sorte do mundo, meu querido, o jogo é duro.
Bem, o outro nome que eu estou indicando e que nomeio agora, o companheiro Geddel Vieira Lima, é o exemplo mais forte dessa coalizão e a demonstração inequívoca de que quando falamos em coalizão, falamos para valer, porque se a gente fosse analisar apenas o que as pessoas fizeram ontem, sem pensar no que as pessoas vão fazer amanhã, a gente não teria acordo em muitas das coisas que a gente faz com os partidos. E a felicidade de alguém que exerce um segundo mandato, é que eu não tenho tempo de pensar em ontem. Eu estou com a minha cabeça preparada para pensar no amanhã, depois de amanhã, no mês seguinte, porque o Brasil não pode esperar.
E essa vinda do Geddel é, eu diria, a consolidação --junto com os outros ministros que já tem o PMDB e mais outro que vai entrar-- de uma coalizão política da qual fazem parte muitos partidos políticos, mas o PMDB, que é o maior partido dentro do Congresso Nacional, tem uma importância muito grande.
Eu estou substituindo o companheiro Pedro Brito. Eu não conhecia o Brito. O Brito, acho que era secretário-executivo do ministro Ciro Gomes, e quando o Ciro saiu para ser candidato a deputado, eu tinha conhecido o Brito em um debate sobre a questão da revitalização do rio São Francisco, e eu falei: o Brito vai ficar no Ministério até passarem as eleições. E eu acho que o companheiro Pedro Brito é daquelas figuras técnicas deste país, de que o Estado não pode prescindir. Eu penso que o Brito é daquelas figuras que, quem o conhecer e quem souber do trabalho que ele é capaz de fazer, sabe o quanto o Estado brasileiro tem gente qualificada para exercer múltiplas funções. Portanto, o Pedro Brito que se prepare, não pense que vai ter muita moleza, não, porque vai ter tarefa neste país que não acaba mais.
Mas, muito, muito obrigado, Brito, porque você deixa para o seu substituto um legado extraordinário, que foi a construção de toda a política hídrica que está incluída no PAC. Se nós conseguirmos fazer tudo aquilo que nós colocamos no PAC, eu acho que o sertão vai virar mar, sem o mar precisar virar sertão. Portanto, meus parabéns Brito, muito obrigado.
Quando eu ouvi falar no Temporão, eu li duas vezes o nome e eu falei: Temporão ou Temporal? Porque se fosse Temporal, eu teria dúvida se eu fosse convidá-lo para ser ministro da Saúde. O Saraiva, quando deixou o Ministério, eu indiquei o Agenor, que era o seu secretário-executivo, companheiro da mais alta qualificação técnica, companheiro, como todo bom mineiro, cauteloso, criterioso, tranqüilo nas suas tomadas de decisão. E eu sou profundamente grato ao um ano e pouco que o nosso companheiro Agenor ficou no Ministério da Saúde. Ontem, eu já ouvi pessoas dizerem: "mas eu gostava tanto do Agenor." Eu falei: é assim mesmo, quando as pessoas estão saindo vocês vão descobrindo que vocês deviam gostar durante o tempo inteiro. Esse é um problema, um país que tem a quantidade de quadros que tem é como um time de futebol no tempo do Botafogo de Garrincha, de Didi; do Santos de Durval, Mengálvio; do Flamengo de Zico, Nunes, não sei quem, ou seja, aqui você tira um bom e tem outro bom para entrar, você não piora a qualidade do time, às vezes você aperfeiçoa a qualidade do time, na mudança apenas da tática que o técnico tem que fazer.
Eu sou grato, mas grato de coração, ao nosso querido companheiro Agenor. E quero dizer Agenor, que um técnico como você, esteja onde estiver, certamente estará contribuindo com a Saúde, contribuindo com o Brasil, porque é essa a função que o destino entregou a você. Gracias, meu querido, e boa sorte.
E o companheiro Temporão, eu também não vou falar bem dele, apenas dizer para vocês que tem... É engraçado, não são muitas as pessoas que conseguem se transformar em unanimidade. Eu acho que o companheiro Temporão, eu não diria que é unanimidade, mas é quase unanimidade na área da Saúde. Todos os ministros que passaram pela Saúde sempre falavam: "o Temporão é um quadro excepcional, o Temporão é um quadro extraordinário, o Temporão é isso." E não é só o pessoal da rede pública, não, é o pessoal dos hospitais particulares mais nobres deste país que diz: "olha, se você escolher o Temporão, você está escolhendo um grande cara." Pois bem, agora chegou a hora, meu caro. Se na teoria você parecia tudo isso, agora vamos dar o "pepino" da Saúde para você administrar.
Aos três ministros que saem, desejo que eles tenham toda a sorte do mundo na nova trajetória de vida que eles vão desenhar para si próprios. E aos que entram, meus filhos, se pensam que é moleza ser ministro, vocês vão ver que, muitas vezes, o que não aparecia na imprensa começa a aparecer. Vocês vão perceber que, muitas vezes, é mais difícil e o salário é muito baixo. Quem é deputado ainda vem com um salário um pouquinho maior. Eu sou o único presidente da República que tem um ministro de R$ 8.000 e um ministro de R$ 12 mil. Eu vou ser franco com vocês, um companheiro que tem uma função na iniciativa privada, eu poderia citar o caso do Furlan, poderia citar o caso do Tarso Genro, poderia citar o caso do Márcio, de tantos companheiros, da Dilma Rousseff... porque vocês sabem que a máquina pública, muitas vezes, é achincalhada. Eu me lembro da campanha do marajá que foi feita neste país, e eu me lembro que funcionários que ganhavam R$ 4.000 ou R$ 5.000 eram tidos como marajás.
As pessoas tinham até vergonha de dizer que ganhavam R$ 4.000, que eram marajás. Hoje que eu sou o presidente da República, eu vejo a iniciativa privada tirando gente que ganha R$ 7.000 por mês, para pagar R$ 70 mil, R$ 80 mil por mês. Quer dizer, lá eles podem ganhar bem, aqui não podem ganhar bem, e a máquina pública é dotada de verdadeiros heróis, porque tem gente da mais alta qualificação.
Vocês que estão assumindo o Ministério vão ver a qualidade excepcional de quadros técnicos que tem dentro dos Ministérios, ganhando R$ 7.000 por mês, R$ 7.500 ou, quem sabe, um pouquinho mais. Eu me lembro que, um dia, eu achei que um companheiro que ganhasse R$ 26 mil na Petrobras ganhava demais. Aí, esse companheiro sai da Petrobras e vai ganhar quase R$ 400 mil fora. E eu achava que ele ganhava demais. Quando eu fico vendo os ministros, que ganhavam muito bem, virem ganhar R$ 7.000, R$ 8.000, eu falo: esses são heróis.
Alguns pagam para serem ministros, essa é a pura verdade. E eu digo isso de cátedra, porque eu digo sempre: eu sou o único que não posso reclamar do meu salário de 8 mil reais, porque não tem nenhum torneiro mecânico no Brasil ganhando 8 mil reais por mês. Então, eu ainda continuo sendo o torneiro mecânico mais bem pago.
Eu já falei demais, companheiros, que Deus abençoe os que entram e os que saem, porque o Brasil precisa de todos nós. Boa tarefa para vocês, boa sorte e que Deus os abençoe."
Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759