Proprietário suspeitou que a menina tivesse adquirido produtos sem pagar, ordenando que fosse revistada sem a presença dos pais.
O J.Q. Couto Supermercado Ltda., em Caeté, Belo Horizonte (MG) terá de compensar garota menor de idade em R$ 8 mil por danos morais. O proprietário do estabelecimento suspeitou que a menina tivesse tentado levar produtos do local sem pagar e ordenou que fosse revistada por uma funcionária, sem a presença dos pais. A sentença foi determinada pela 13ª Câmara Cível do TJMG.
A mãe afirmou que na manhã de setembro de 2007, a criança, que tinha 10 anos na época, entrou no supermercado com intenção de comprar um pacote de batata chips, mas, ao ver que a irmã já estava saindo do local, desistiu do intuito, guardou o dinheiro dentro do short e se dirigiu à saída. Nisso, o dono do estabelecimento, desconfiando dela, mandou que uma funcionária detivesse a menina diante dos clientes, segurando-a à força e lhe conduzindo a um banheiro.
No local, a garota teria sido revistada e obrigada a se despir completamente, sem o conhecimento e autorização de seus pais. Ela foi liberada momentos depois, porque carregava apenas o dinheiro que havia levado. A mãe disse que a filha chegou a ser reprovada na escola, pois se tornou alvo de chacota dos colegas quando se espalhou a notícia da suspeita de roubo sobre ela. Afirmou que procurou entrar em acordo com o proprietário do mercado, que negou atitude que pudesse prejudicar a menina, embora reconhecesse que havia ordenado que ela fosse submetida à revista. A mãe, então, ajuizou ação em agosto de 2009 em nome da menor, pedindo indenização pelos danos morais.
Na contestação, o J.Q. Couto Supermercado sustentou que alguns menores costumavam andar pelos corredores olhando para os lados, como se verificassem se estavam sendo observados e aguardassem a oportunidade de retirar uma mercadoria. "Frequentemente damos falta de produtos. Reclamei com o Conselho Tutelar, mas eles disseram que não havia nada a fazer, a não ser que o furto fosse comprovado", declarou.
O estabelecimento ainda sustentou que, na ocasião, a menina foi abordada por um funcionário que lhe perguntou se ela precisava de alguma coisa e queria ajuda. A menina teria respondido que não, indo embora sem que ninguém a impedisse ou a submetesse à revista. Para o mercado, a queda no rendimento deve-se ao fato de a família permitir que a criança fique ‘perambulando pelas ruas’, e a existência de comentários a respeito da ocorrido é falsa.
Consultado, o MP mostrou-se favorável à procedência da ação: "Ter sido revistada sem estar praticando ato ilícito e sem haver suspeita fundamentada já ocasiona constrangimento moral e atinge a dignidade da menor, pois ela adquire a pecha de ladra perante a sociedade. Além disso, o ECA protege da violência até mesmo o menor infrator".
Em junho de 2010, a 1ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais de Caeté sentenciou o supermercado a pagar indenização de R$ 8 mil à menor. Para a juíza Claudia Regina Macegosso, se o proprietário do estabelecimento conhecia os pais da menina, ‘a única conduta aceitável’ seria comunicar os fatos a eles. "Não houve o zelo ou a cautela devida no trato com uma criança totalmente indefesa. Ela suportou um sofrimento imenso e desnecessário, que foi agravado pelo despreparo e falta de bom senso do dono e dos funcionários do supermercado. Estes passaram dos limites do exercício regular do direito ao imputar a ela um ato infracional", prosseguiu.
A família recorreu em julho de 2010, defendendo que a majoração dos danos morais, pois a menina teve a honra e a intimidade violadas, além de ter sofrido uma acusação caluniosa de furto. Também argumentou que a quantia era incompatível com o poder econômico do estabelecimento.
O J.Q. Couto Supermercado apelou da sentença afirmando que não havia provas de que a menor foi revistada e que a indenização era alta demais, em se tratando de "uma mercearia da periferia de Caeté que luta para sobreviver e sofre continuamente assaltos e furtos". Pediu ainda a redução dos honorários advocatícios, de R$ 4.650 para R$ 800.
O TJMG reduziu os honorários, mas considerou o valor da indenização justo. De acordo com o relator, desembargador Nicolau Masselli, apesar de a autora ter comprovado que sua honra e moral foram abaladas com o episódio e que o proprietário do supermercado foi negligente, a quantia indenizatória não deve causar enriquecimento ilícito.
(Nº. do Processo: 0297628-18.2009.8.13.0045)
Fonte: TJMG
Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759