|   Jornal da Ordem Edição 4.305 - Editado em Porto Alegre em 24.05.2024 pela Comunicação Social da OAB/RS
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NOTÍCIA

18.05.11  |  Advocacia   

"O Judiciário está doente" - Servidores de todo o RS relatam dificuldades para suprir a demanda

Na segunda edição da série de reportagens sobre o colapso da Justiça gaúcha, o Jornal da Ordem retrata a situação alarmante das Varas do Interior do Estado. A alta demanda processual, que abarrota os cartórios de todo o RS, tem feito os servidores do Judiciário adoecerem ou pedirem remoção para outras Comarcas, na expectativa de encontrar melhores condições de trabalho.

Os funcionários relatam o caos: número de processos em crescimento, servidores afastados por estresse e outros problemas de saúde, aposentadorias e remoções sem novas nomeações, falta de estrutura física, entre outros. Enquanto isso, a sociedade, que busca seus direitos por meio dos advogados, aguarda ansiosa por julgamentos, decisões e pagamentos.

"É fundamental que a Justiça esteja bem aparelhada para atender à crescente demanda processual. Isso passa pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e ampliação do orçamento do Judiciário, que é um Poder eminentemente prestador de serviços à população", afirma o presidente da OAB/RS, Claudio Lamachia.

Segundo dados obtidos pela reportagem do Jornal da Ordem, somente em primeira instância o número de cargos vagos é de1408, e em segunda instância esse número chega a 320.

Confira o quadro em diversas cidades do Interior:

Com 11 mil processos em tramitação na 3ª Vara Civil de Rio Grande, o escrivão Alexandre Fossati afirma que o baixo número de servidores é uma das razões que contribui para a morosidade processual. "Há um escrivão e cinco oficiais escreventes, sendo que um está em licença-saúde. Outro ponto que acarreta tal situação é a falta de modernização dos equipamentos de trabalho, como computadores, softwares, etc".

"O Judiciário está doente!". São com estas palavras que a escrivã da 1ª Vara Civil Especializada em Fazenda Pública de Passo Fundo, Diva Maria Ghidini, resume a situação da Justiça gaúcha. Conforme a servidora, ela e mais um colega pediram remoção por não estarem em condições psicológicas para suprir a demanda na Comarca. "O nosso quadro é caótico. Estamos adoecendo e não há capacidade física para atender o grande número de ações. Temos 21.200 processos para um escrivão, um ajudante e cinco escreventes. A situação é alarmante!", desabafou.

Trabalhando há mais de 23 anos no Judiciário, a escrivã da direção do Foro de Santa Maria, Girselaine Hasselmann, faz um diagnóstico preocupante. "Cerca de 50% dos oficiais de justiça já estão aptos a se aposentar, e há mais de 40 anos o número de cargos é o mesmo, ou seja, 28 servidores. O pior de tudo é que não há, pelo menos em breve, a possibilidade do aumento do quadro" afirma.

Girselaine tem razão. Com as limitações da LRF, o Judiciário fica impossibilitado de realizar concursos e fazer novas nomeações. Ou seja, os processos crescem para o mesmo número de funcionários.

A 2ª Vara Cível de Viamão recebeu, de janeiro a abril deste ano, 911 processos, somando precatórios e incidentes. Com quatro servidores e um estagiário, eles estão se revezando para atender o balcão, como explica a escrivã designada Elisângela Martins: "Pelo grande número de processos, está complicado desempenhar o trabalho com mais eficiência, pois estamos em regime de rodízio para o atendimento no balcão, o que atrasa as outras tarefas".  Elisângela continua: "Além disso, estamos com um número menor de servidores do que realmente precisamos. Por exemplo, a escrivã está de licença-maternidade e precisamos de, no mínimo, mais um oficial escrevente e um auxiliar de serviços gerais", revela.

A situação é semelhante na 1ª Vara Cível de Santo Ângelo. Com seis servidores e dois estagiários, a unidade precisaria dobrar o número de pessoas para prestar um serviço adequado, segundo a oficial ajudante Mara Mânica Posser. Ela também relata que, "além do problema da falta de servidores, os que estão trabalhando estão adoecendo pelo acúmulo de serviço, pela cobrança, que é muito grande, e por não conseguirem responder de forma efetiva como gostariam". Mara desabafa: "Ainda temos sérias dificuldades com materiais de trabalho, pois nossa impressora está estragada e sem previsão de conserto. Os computadores, pelo tempo de uso, já estão muito ruins, prejudicando ainda mais o desenvolvimento do serviço".

A situação da 2ª Vara Cível Especializada em Fazendo Pública de Caxias do Sul é alarmante pela dificuldade de pessoal para suprir a demanda, de 39.051 processos. Conforme a escrivã designada, Neuza Telles de Oliveira, o cartório conta com quatro servidores e sete estagiários. "Trabalhamos no limite. Apenas boa vontade não basta, o ideal seria dobrar o número de funcionários", afirma. A unidade judicial conta ainda com o Anexo Fiscal, que foi instalado em julho de 2009. O espaço foi criado em caráter provisório, mas permanece funcionando em espaço precário. "O local só funciona porque cedemos dois escreventes e há 12 estagiários contratados pela Prefeitura e pela PGE", diz.

Desde que o escrivão da 3ª Vara Cível de Novo Hamburgo foi cedido para a Corregedoria, há dez meses, a ajudante Marla Cristina Beck Wanderer foi designada escrivã. Segundo ela, o que pode ser considerado pouco tempo desempenhando a função, já é suficiente para trazer-lhe até problemas de saúde. "Alguns dias atrás fui parar no hospital com pressão alta e sem condições de trabalho. Hoje estou com muita dor de cabeça e ainda com problemas de pressão, mas se eu não vier será muito pior", relata Marla.

A 3ª Vara Cível de Novo Hamburgo possui 13.795 processos. Para dar conta da demanda, trabalhavam nove servidores, sendo que, como citado, o escrivão foi cedido, três servidores foram removidos e uma pedirá exoneração em junho. Restarão quatro pessoas para tamanha carga de trabalho. "Não temos estrutura para gerenciar todo este serviço, as pessoas têm que entender que não é porque não queremos desenvolvê-lo", analisa. Marla ainda afirma que o número ideal de servidores para que o trabalho possa ser desempenhado de forma efetiva seria o que havia anteriormente - nove pessoas. "Temos uma carga desumana para vencer diariamente e estamos muito defasados. Além disso, no período de férias a situação piora, pois ficam resíduos dos processos. Estamos, por exemplo, com 700 processos aguardando para fazer a citação", explica.

Com 14 mil processos em tramitação e cinco servidores atuando, a 1ª Vara de Uruguaiana necessitaria de, no mínimo, mais dois servidores para que o trabalho fosse desenvolvido de forma eficaz. "Trabalhamos muito, mas não conseguimos desempenhar um serviço de qualidade, pois não temos pessoal e estrutura suficiente para a quantidade de tarefas que temos", define a escrivã Eliane Coelho Flores. Ela informa ainda sobre os frequentes problemas dos equipamentos: "Por vezes, ficamos nos revezando nos computadores existentes", registra.

Na Comarca de Tramandaí, houve, em abril deste ano, duas paralisações de uma hora, realizadas pelos servidores, reivindicando melhorias nos salários e na estrutura de trabalho. A escrivã da 1ª Vara Cível, Roseli Neuci Salvador, relata que "há uma sobrecarga desumana, pois saímos do trabalho e não sobra energia para mais nada da nossa vida pessoal. Precisamos respirar".

Pela defasagem de pessoal da 1ª Vara Cível de Tramandaí (atualmente são cinco no cartório), até as férias dos servidores são reduzidas. "Como temos poucos funcionários, descansamos apenas por 15 dias, senão fica muito difícil conseguir colocar o trabalho em dia. Também realizamos diversos mutirões para ajudar os colegas que estão com o serviço mais atrasado. A população tem a ideia de que os servidores do Judiciário ganham muito e não fazem nada, mas a realidade é muito diferente, afinal, desempenhamos um trabalho que é humanamente impossível pela proporção de processos que temos", finaliza.

Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759

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