O jornal usou uma manchete escandalosa e sensacionalista que extrapolou a liberdade de informar e não resguardou sequer a honra moral de uma criança de quatro anos. Esse foi o entendimento do TJSP para condenar após 14 anos, o Grupo Folha da Manhã no caso da Escola Base.
A empresa terá de pagar indenização de R$ 200 mil para R.F.N, o garoto, que hoje tem 18 anos. Ele foi apontado pelo jornal como vítima de abuso sexual dos próprios pais. Ele é filho de um dos casais acusados sem provas no caso da Escola Base. A decisão é da 1ª Câmara de Direito Privado do TJSP. Cabe recurso.
"A conduta do jornal, juntamente com outros órgãos de imprensa, contribuiu para criar uma situação anormal, não experimentada não só para os adultos envolvidos", afirmou o desembargador Oldemar Azevedo.
O jornal Folha da Tarde embarcou no tema que dominava as edições de jornais e emissoras de TV no final de março de 1994. Com informações repassadas pelo delegado que conduzia o inquérito policial, a partir dos depoimentos de duas mães de alunos, o jornal saiu com a chamada de primeira página: "Perua escolar carregava as crianças para a orgia".
O caso que viria a se transformar em símbolo de julgamento público pela mídia se baseou em laudos preliminares e na acusação de mães que apontavam seis pessoas como envolvidas no abuso sexual de crianças numa escola de educação infantil, localizada no bairro da Aclimação. A linha de investigação da Polícia se mostrou sem fundamento e o inquérito foi arquivado.
No entanto, o estrago estava feito: os acusados já tinham sido julgados sumariamente pelos jornais e programas de rádio e de TV e condenados pela opinião pública. A escola foi pichada, depredada e saqueada. Os acusados foram presos.
A empresa Folha da Manhã sustentou que a manchete se limitou a reproduzir as informações oficiais, tomando todo o cuidado para evitar pré-julgamentos ou ilações de ordem subjetiva e que não existiria prova de dano moral. A turma julgadora entendeu de forma contrária.
Para os desembargadores Odemar Azevedo, Mathias Coltro e Oscarlino Moeller, a conduta do jornal restou culposa diante da publicação da manchete sensacionalista que extrapolou o direito de informar e, no entendimento dos desembargadores, atingiu a esfera moral da criança.
"O fato do apelado contar com quatro anos na época destes eventos e, provavelmente, não os compreendendo integralmente, não afasta as conseqüências das condutas da imprensa em questão que refletiriam em toda família", afirmou o relator.
Outras empresas de comunicação sofreram condenação pelas notícias divulgadas à época dos fatos, em 1994. É o caso dos jornais Folha de S.Paulo (R$ 750 mil) e O Estado de S.Paulo (R$ 750 mil), da Globo (R$ 1,35 milhão) e da Editora Três, responsável pela publicação da revista IstoÉ, (R$ 360 mil). Em todos os casos ainda cabe recurso.
Na área cível, várias ações foram propostas. A primeira delas, contra o Estado, para pedir indenização por danos morais e materiais. Em 1996, o juiz Luís Paulo Aliende mandou o governo paulista pagar cem salários mínimos — R$ 30 mil em valores atuais — ao casal proprietário da escola e ao motorista Maurício Alvarenga. O advogado Kalil Rocha Abdalla, considerou o valor baixo e recorreu ao TJ paulista reclamando 25 mil salários mínimos.
O TJ paulista julgou o recurso o fixou o valor de R$ 100 mil para cada um, por danos morais, e uma quantia a ser calculada para ressarcir os danos materiais. Pela decisão, a professora Maria Aparecida Shimada iria receber, ainda, uma pensão vitalícia por ter sido obrigada a abandonar a profissão.
Insatisfeitas, as partes recorreram ao Superior Tribunal de Justiça. A 2ª Turma do STJ reformou a decisão e condenou o estado de São Paulo a pagar uma indenização de R$ 250 mil a cada um. O caso ainda está na Justiça por causa de um recurso extraordinário interposto pela Fazenda do estado contra a decisão do STJ.
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Fonte: STJ
Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759