|   Jornal da Ordem Edição 4.591 - Editado em Porto Alegre em 20.08.2025 pela Comunicação Social da OAB/RS
|   Art. 133 - O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Constituição Federal, 1988
NOTÍCIA

08.02.13  |  Dano Moral   

Hospital terá de indenizar pais de bebê que faleceu sem atendimento

Decisão considerou que o ressarcimento moral era devido, pois a internação da filha do casal foi negada; entretanto, o pedido de pensionamento, a título de dano material, foi descartado pela Corte julgadora.

O Hospital Santa Lúcia, localizado em Brasília (DF), terá de indenizar, no valor de R$ 100 mil, por danos morais, os pais de uma menina de oito meses, que morreu depois de ter tido sua internação recusada na UTI do estabelecimento. A decisão é da 3ª Turma do STJ.

O relator do caso, ministro Villas Bôas Cueva, fundamentou seu voto na teoria da perda da chance de cura ou sobrevivência. Ele considerou que, embora não haja provas de que a morte da criança tenha sido causada diretamente pela omissão de socorro, a atitude em não atender a menor reduziu "substancialmente" suas possibilidades de sobrevivência. Segundo o magistrado, a casa de saúde tinha a obrigação legal de prestar auxílio, mas se omitiu e privou a paciente da chance de receber um tratamento que talvez a pudesse salvar ou, pelo menos, garantir uma sobrevida.

Em julho de 2007, a menina foi internada no Hospital Regional de Taguatinga com tosse seca, coriza hialina e obstrução nasal, dispneia, febre, hipoatividade e falta de apetite. O quadro se agravou e, como o hospital público não tinha condições adequadas para o tratamento, os médicos sugeriram a transferência para um hospital particular. Os genitores conseguiram uma liminar judicial determinando a internação em estabelecimento privado que tivesse vaga e o pagamento das despesas pelo Distrito Federal. Mesmo diante da cópia da decisão, impressa a partir do site do TJDFT, o estabelecimento se recusou a receber a criança, alegando que não fora oficialmente intimado.

Mantido na enfermaria do hospital público, sem os equipamentos necessários para sua sobrevivência, o bebê não resistiu.

O casal ingressou com ação na Justiça pedindo indenização por danos morais e materiais contra o Hospital Santa Lúcia. Em 1ª e 2ª instância, a ação foi julgada improcedente ao argumento de que, no processo, não se provou que a morte tenha decorrido diretamente da conduta do réu. Para o Tribunal de Justiça, a morte foi consequência do "grave estado clínico" da criança, aliado à "falta de tratamento adequado", e o local não teria a obrigação de cumprir ordem judicial com base apenas em documento não oficial.

Em recurso ao STJ, os pais sustentaram que o estabelecimento agiu de forma omissiva ao não providenciar a internação da menina na UTI pediátrica.

Ao analisar o caso, o ministro Villas Bôas Cueva destacou que "havia inescapavelmente a necessidade de pronto atendimento da menor, cuja recusa caracteriza omissão de socorro". Segundo ele, o réu tinha, no mínimo, o dever de permitir o acesso da criança ao atendimento médico, ainda que emergencial, que poderia ter salvado uma vida. Para o magistrado, prestar socorro é dever de todo e qualquer cidadão.

O julgador lembrou que a Constituição, além de consagrar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, determina o direito de todos à saúde. Citou ainda legislação infraconstitucional que reafirma as garantias à saúde e à prioridade de atendimento hospitalar, em especial de crianças e adolescentes. "Ao negar a prestação fundamental à criança, o hospital descumpriu o seu dever constitucional e praticou atentado à dignidade humana e à vida", declarou. Ele acrescentou que a atitude de privilegiar trâmites burocráticos em detrimento do atendimento "não tem respaldo legal ou moral".

De acordo com o ministro, o direito brasileiro adota o princípio de que ninguém pode ser responsabilizado por aquilo a que não tiver dado causa – e causa, para esse efeito, é apenas o evento que produziu direta e concretamente o resultado danoso. "Uma das condições básicas para a concessão da indenização nos casos de responsabilidade civil é o nexo causal certo entre a falha e o dano. Ou seja, ou se reconhece o ato e o relaciona ao dano ou julga-se absolutamente improcedente o pedido, é a regra do tudo ou nada", explicou. No entanto, ele disse que as peculiaridades do caso exigem enfoque diverso, pois está em questão uma conduta que poderia ter garantido a chance de resultado diferente. A omissão, segundo o relator, adquire relevância jurídica e torna o omisso responsável pelo dano "quando tem o dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, e se omite assumindo o risco".

O magistrado afastou, ainda, a alegação de que a liminar determinando a internação não poderia ser cumprida por falta de documento oficial. Segundo ele, não se pode recusar a validade de decisão judicial contida no site do Tribunal local, pois o próprio STJ já decidiu que as informações publicadas nesse meio têm valor legal. Ele citou precedente da 3ª Turma: "Com o advento da Lei 11.419/06, que veio disciplinar o uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais, acredita-se que a tese de que as informações processuais fornecidas pelos sites oficiais dos tribunais somente possuem cunho informativo perdeu sua força, na medida em que, agora, está vigente a legislação necessária para que todas as informações veiculadas pelo sistema sejam consideradas oficiais".

Para Cueva, "é indiscutível que o hospital pode não ter causado diretamente o resultado morte", mas tinha a obrigação legal de usar os recursos disponíveis para tentar impedi-lo e não o fez, "privando a paciente de uma chance de receber tratamento digno que, talvez, pudesse lhe garantir uma sobrevida".

A perda da chance, explicou o julgador, "está em relação de causalidade não com o evento morte, mas com a interrupção do tratamento" que o hospital tinha a obrigação jurídica de proporcionar, "ainda que nunca se venha a saber se geraria resultado positivo ou negativo para a vítima".

"Em verdade, a perda da chance de cura ou sobrevivência é que passa a ser considerada como bem juridicamente protegido, pelo que sua privação indevida vem a ser considerada como passível de ser reparada" – acrescentou o ministro, ao julgar incontestável o direito dos pais à reparação moral, que foi fixada em R$ 50 mil para cada um. "Isso porque o que se indeniza na responsabilidade por perda da chance outra coisa não é senão a própria chance perdida", concluiu.

A Turma rejeitou, porém, o pedido de indenização por danos materiais, na forma de pensão mensal. "Considerando que não há como ter certeza de que, ainda que prestado o atendimento de emergência de forma adequada, a paciente sobreviveria, a indenização deve ater-se apenas ao dano moral, excluído o material. Mesmo porque, não se pode indenizar o possível resultado".

Recurso Esp. nº: 1335622

Fonte: STJ

Marcelo Grisa
Repórter

Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759

BOLETIM INFORMATIVO. CADASTRE-SE!
REDES SOCIAIS E FEED
RSS
YouTube
Flickr
Instagram
Facebook
Twitter
(51) 3287.1800
Redação JO: Rua Washington Luiz, 1110, 13º andar - Centro - CEP 90010-460 - Porto Alegre - RS   |   [email protected]
© Copyright 2025 Ordem dos Advogados do Brasil Seccional RS    |    Desenvolvido por Desize

ACESSAR A CONTA


OABRS:   *
Senha:   *
Esqueci minha senha  |  Novo cadastro