A ausência de constatação de abuso sexual em exame de corpo de delito não afasta a possibilidade de condenação, pois, mesmo que não tivesse sido efetivado meses depois, dificilmente algum vestígio significante seria detectado, devido ao modo como o ilícito penal foi perpetrado.
Uma pessoa foi condenada a 8 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado, por estupro de vulnerável – o que é considerado crime hediondo. O menino tinha 8 anos de idade na época e conhecia o réu, a quem considerava como um padrinho. O juiz Jaime Freitas da Silva, da 2ª Vara Judicial da Comarca de Charqueadas, julgou a ação.
De acordo com a denúncia do MP e com os relatos da mãe e da vítima, no dia 30 de agosto de 2009, durante o almoço em um restaurante, o homem saiu com o menino a pretexto de ir ao banco sacar dinheiro. Enquanto a criança estava no carro, distraída com jogos de celular, o padrinho baixou-lhe o calção e, depois de molhar o próprio dedo na boca, introduziu-o no ânus do menino.
Conforme a mãe, em casa, durante o banho, o filho reclamou de estar assado e, questionado, acabou relatando o ocorrido. Ela afirmou que, a princípio, não pensou em levar o caso a polícia, mas mudou de ideia ao ver propaganda do disque-denúncia contra abuso e exploração sexual contra criança e adolescente. Ligou então para o número 100, denunciando o fato.
A mãe da vítima contou que, quando a criança tinha 2 anos, o réu costumava levá-lo para passear. Nesta época, afirmou, ela chegou a flagrar o filho tentando enfiar um lápis no ânus. Outro episódio que relatou foi de que o menino, que tinha em torno de 5 anos, teria dito ao tio, enquanto estavam a sós, que tinha receio de que lhe fizesse algum mal.
A própria vítima narrou que, em outra oportunidade, estava no banheiro urinando quando o padrinho entrou e passou a mão na sua bunda. Para não contar nada a ninguém, o réu teria prometido dar-lhe um skate.
A defesa do acusado alegou que o laudo psicológico não é conclusivo no sentido de que o menino tenha sofrido abuso sexual, e que o exame de corpo de delito não apontou quaisquer anormalidades na região anal, perianal e perineal.
Inicialmente, Jaime Freitas da Silva lembrou que nos crimes desta natureza, que em regra são praticados às escondidas, a versão da vítima possui substancial relevância. Ressaltou que o menino, quando ouvido pela polícia, por psicóloga e na Justiça, "foi seguro e coerente no sentido de que o acusado passou o dedo em seu ânus, quando estava no carro jogando no celular".
O magistrado citou ainda trechos do laudo psicológico, segundo o qual a vítima demonstrou preocupação em relatar somente aquilo que lembrava, e não o que sua mãe disse que havia acontecido, afirmando não se recordar dos outros fatos contados. O laudo conclui ser provável que a informação básica fornecida pelo periciado corresponda a uma recordação realmente vivenciada.
Na avaliação do julgador, não há qualquer indício de incriminação gratuita, uma vez que a mãe da vítima conhecia o réu há vários anos e nutria uma relação de amizade com ele e com sua família. Quanto ao exame de corpo de delito, enfatizou que a ausência de constatação de abuso sexual não afasta a possibilidade de condenação, pois, "mesmo que não tivesse sido efetivado meses depois [o exame], dificilmente algum vestígio significante seria detectado, devido ao modo como o ilícito penal foi perpetrado".
Considerando que o réu tinha conhecimento da ilicitude do ato, bem como as consequências para a vítima (que necessitou de acompanhamento neurológico e psicológico) e para a família, dentre outros critérios, o juiz fixou a pena em 8 anos e 6 meses de reclusão, em regime fechado. O acusado poderá apelar da decisão em liberdade.
O número do processo não foi informado.
Fonte: TJRS
Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759