Entre outros pontos, considerou-se que era evidente que o empregado do estabelecimento havia faltado com a verdade e já teria sido preso sob a acusação de furto.
Uma cirurgiã-dentista que foi exposta a uma seringa supostamente contaminada em uma farmácia no Rio de Janeiro teve indenização referente ao fato restabelecida. A 3ª Turma do STJ considerou, por maioria de votos, que houve prestação defeituosa de serviço, como previsto no CDC.
Em fevereiro de 2001, a dentista foi ao estabelecimento para receber aplicação de remédio injetável. Apesar de o medicamento já vir com a própria seringa, o balconista da drogaria, o qual também aplicava as injeções, utilizou uma seringa descartável. Alertado pela vítima, ele teria reconhecido o erro e concluído o serviço com a seringa do medicamento. Posteriormente, o namorado da dentista retornou ao local e recolheu ambos os dispositivos, verificando que o descartável parecia ter vestígios de reutilização.
A dentista se submeteu a tratamento preventivo contra AIDS e entrou com ação de indenização contra a farmácia. A empresa alegou que tudo não passaria de armação para a obtenção de dinheiro. Na 1ª instância, a farmácia foi condenada ao pagamento de 40 salários mínimos por danos morais. Houve recurso ao TJRJ, o qual negou o pedido por considerar não haver prova idônea do serviço falho ou perigoso.
No recurso ao STJ, a defesa alegou que haveria inversão do ônus da prova, conforme autorizado pelo art. 6º, inciso VIII, do CDC, e também no art. 333 do CPC. Afirmou que a inversão da prova daria às declarações da autora presunção juris tantum (presunção de verdade até a prova legal contrária).
No seu voto, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino observou que não se aplica no caso o art. 6º do CDC, mas o art. 14, par. 3º, que autoriza a inversão. Ele explicou que a diferença é que a medida no segundo caso não é feita por ato de juiz, mas por força da própria lei. Para ele, ocorreu um típico acidente de consumo, quando o serviço ou produto causa dano ao consumidor. A inversão é a forma de diminuir a dificuldade do consumidor em obter as provas para assegurar seu direito. "Isso é particularmente mais grave quando se sabe que essa prova é, via de regra, eminentemente técnica, sendo o fornecedor um especialista na sua área de atuação", esclareceu.
Sanseverino observou que a versão da vítima teria verossimilhança, conforme a narração dos autos no 1º grau. Entre outros pontos, considerou-se que era evidente que o empregado da farmácia havia faltado com a verdade e já teria sido preso sob a acusação de furto. Também ficou definido que o dono do estabelecimento não conhecia bem o balconista e que o temor da vítima, ante a hipótese de ter sido contaminada, era plausível. "Não é crível que uma jovem cirurgiã-dentista tivesse criado toda a história sem nenhuma base fática, comparecendo a uma delegacia de polícia e se submetendo ao tratamento preventivo contra AIDS", ponderou. Por outro lado, a farmácia não fez a prova de inexistência do defeito.
Com essas considerações, Sanseverino determinou o pagamento da indenização fixada em 1º grau, das custas e dos honorários pela empresa. Acompanharam o voto do relator os ministros Nancy Andrighi e Sidnei Beneti. Ficaram vencidos os ministros Massami Uyeda e Villas Bôas Cueva.
Processo nº: REsp 1131385
Fonte: STJ
Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759