TRT4 entendeu que o gerente, valendo-se da condição de superior hierárquico, constrangeu a autora da ação, tentando obter relações sexuais. Degravação dos diálogos mantidos entre patrão e funcionária, registrados por um aparelho celular, confirmaram a situação.
Uma empresa do ramo de veículos de Porto Alegre foi condenada a pagar R$ 60 mil de indenização a uma ex-secretária, assediada sexualmente por um dos sócios-gerentes. A decisão da Justiça Trabalhista de 1º Grau foi confirmada, por unanimidade, pela 5ª Turma do TRT4, em julgamento de recurso.
Os desembargadores entenderam que o gerente da empresa, valendo-se da condição de superior hierárquico, constrangeu a autora da ação, tentando obter relações sexuais. A convicção dos magistrados não foi amparada apenas nos relatos da autora, mas na degravação dos diálogos mantidos entre patrão e funcionária, registrados por um aparelho celular. "O conjunto probatório carreado aos autos deixa claro que houve agressão moral à autora, o que lhe causou sofrimento psíquico, não tendo a ré (empresa) feito contraprova a ele’’, afirmou, no acórdão, o relator do processo, desembargador Clóvis Fernando Schuch dos Santos. Para ele, como ficou evidente o ilícito, o empregador responde pelos atos de seus prepostos e empregados no exercício do trabalho, conforme disposto no artigo 932, inciso III, do Código Civil Brasileiro — situação específica de responsabilidade objetiva.
A autora relatou em juízo que trabalhou para a empresa, como secretária, no período de 5 de abril a 24 de junho de 2010. Pediu demissão em razão do assédio perpetrado pelo gerente. Como tal situação a forçou a deixar o emprego, ainda na vigência do contrato de experiência, ela pediu indenização por dano extrapatrimonial. Deu à causa o valor de R$ 30 mil.
Rejeitado o acordo, a empresa apresentou contestação. Negou a ocorrência dos fatos que ensejaram a demanda. No curso da instrução, o juízo colheu as declarações da autora, o relato de uma testemunha e, o mais importante: fez a transcrição de uma conversa havida com o gerente, gravada com o telefone celular da vítima.
A juíza Valdete Souto Severo, da 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, afirmou, na sentença, que a conversa gravada pela autora é suficiente, por si só, para evidenciar o assédio sexual. Além disso, a juíza considerou o relato da funcionária na sua rotina diária. Num determinado dia, registra a sentença, esta encontrou uma rosa na sua mesa, com um bilhete, dizendo de que deveria se sentir segura. O chefe também a chamava seguidamente a sua sala. Nestas ocasiões, na presença da autora, consultava sites de acompanhantes na internet, mostrando-lhe as fotos.
O relato da testemunha, embora negue ter presenciado conduta inconveniente por parte do gerente, mostra que o ambiente de trabalho era "de arreganho", pois os funcionários "não se travavam, faziam brincadeiras e costumavam ter conversas liberais".
Para a juíza, o ambiente era "gerido" pelo sócio, de forma a estimular conversas íntimas, como a registrada no aparelho celular. ‘‘Não se trata, pois, de uma conversa ‘liberal’ de pessoas que se tratam como se fossem da mesma família, como tenta fazer crer a testemunha ouvida em juízo. Trata-se de manifesto abuso do poder diretivo, mediante claro assédio de natureza sexual. Trata-se de desrespeito’’, entendeu a julgadora. Disse que o caso era mais grave porque a remuneração da autora era baixa e ela estava sob contrato de experiência.
"A gravidade do fato impõe-se como fator determinante para a fixação do quantum devido a título de indenização. É de atentar, também, para o caráter dissuasório ou pedagógico da responsabilidade. O sócio da reclamada tem que se convencer de que a conduta praticada com S. não pode mais ser repetida. Deve se convencer de que não é tolerável, em uma sociedade que coíbe condutas discriminatórias e exalta o respeito mútuo e a persecução do bem comum, atos de manifesto desrespeito como aqueles por ele praticados no ambiente de trabalho", entendeu o tribunal. Fixou a indenização em R$ 60 mil.
A empresa entrou com recurso ordinário contra a sentença no TRT4. Alegou que a prova dos autos conduz à conclusão de que não houve desrespeito do gerente em relação à autora, uma vez que as brincadeiras eram encaradas com naturalidade no ambiente de trabalho. Por fim, sustentou que a transcrição do diálogo não demonstra a existência de assédio, mas a tentativa da autora de ‘‘tirar a sorte grande’’, utilizando tal gravação para pleitear indenização por danos morais.
O relator do recurso, desembargador Clóvis Fernando Schuch dos Santos, inicialmente, discorreu sobre a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da honra (artigo 5º, inciso X) e sobre o direito de reparação moral em caso de sua violação (artigo 1º., inciso III), garantidos pela Constituição Federal. O inciso V do artigo 5º, assegura, ipsis literis: ‘‘o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem’’.
Segundo o desembargador, o direito à reparação por dano moral está disciplinado, ainda, nos artigos 186 [Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito] e 927 do Código Civil de 2002 [Aquele que, por ato ilícito (artigos. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo].
Apesar do assédio sexual configurar-se crime furtivo e covarde, pois o agressor, normalmente, ataca a vítima de forma sorrateira, o relator afirmou que autora conseguiu fazer prova de suas alegações — da qual estava obrigada pelo disposto no artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e no artigo 333 do Código de Processo Civil (CPC). O relator manteve o quantum indenizatório arbitrado no primeiro grau, pois considerou a gravidade e repercussão da ofensa, a condição econômica do ofensor, a pessoa do ofendido e, por fim, a intensidade do sofrimento que lhe foi causado.
Fonte: Conjur
Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759