|   Jornal da Ordem Edição 4.300 - Editado em Porto Alegre em 17.05.2024 pela Comunicação Social da OAB/RS
|   Art. 133 - O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Constituição Federal, 1988
NOTÍCIA

16.09.14  |  Advocacia   

Em entrevista, presidente da OAB/RS diz que a política é indispensável e não se pode fazer generalizações

Confira a íntegra da matéria publicada, nesta segunda-feira (15), pelo portal de notícias Sul 21, de Porto Alegre.


Presidente da OAB do Rio Grande diz que a política é indispensável e não se pode fazer generalizações

Por Jaqueline Silveira – Sul 21

À frente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul desde janeiro de 2013, Marcelo Bertoluci fala do papel da OAB na sociedade e sobre o ingresso das ações no Supremo Tribunal Federal (STF), envolvendo os valores da dívida do Estado e dos saques dos depósitos judiciais. Bertoluci abordou o projeto de reforma política proposta pela OAB e defendeu a política como absolutamente indispensável. O advogado reconheceu avanços no sistema carcerário, contudo, ressaltou que é preciso muito mais investimentos na área. Confira abaixo os principais trechos da entrevista de Marcelo Bertoluci ao Sul 21.

Sul 21 - Além de defender os advogados, a OAB se engaja em causas da sociedade. Como o senhor define o papel da Ordem?

Marcelo Bertoluci – A OAB exerce um papel de ordem de proteção da classe dos advogados - nós temos um braço que cuida do advogado enquanto profissional, mas também temos um braço cidadão. A Constituição outorga à OAB a representação da cidadania, logo, a atividade da Ordem vem do equilíbrio entre a nossa atuação em prol da classe e a representação que nós exercemos da cidadania. Portanto, a voz da cidadania transmitida pelo papel de atuação da OAB, necessariamente, deve haver um equilíbrio entre essas grandes áreas de atuação da Ordem.

Sul 21 – Que exemplos o senhor daria da atuação da OAB em prol da sociedade?

Bertoluci – São vários os exemplos. Quando a Ordem cuida de temas que envolvam, por exemplo, a rediscussão do Pacto Federativo, foi a OAB que promoveu, no final do ano 2012, sob a liderança do presidente Lamachia (Claudio), uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para rever os números da dívida pública. Um tema de grande repercussão cidadã, estamos discutindo quanto deve e se deve o Estado do Rio Grande do Sul em relação às obrigações que contraiu perante a União Federal. Uma discussão com uma larga abrangência cidadã, porque deste pagamento da dívida é que pode faltar e faltam recursos para a saúde, a educação, a segurança e também para a Justiça.

Outro tema de ordem cidadã importante é a reforma política. Um tema que vem sendo discutido no Brasil há muito anos e que a Ordem trabalha para que o projeto de lei, de iniciativa popular, desenvolvido pela OAB e por instituições, possa cada vez mais ganhar curso e ter êxito. Portanto, é impensável qualquer mudança estrutural no país sem que passe pela reforma política. É um tema absolutamente necessário.

Mais um tema que a OAB se debruça com larga abrangência cidadã: os depósitos judiciais. A OAB está sustentando, no Supremo Tribunal Federal, que as duas leis do Rio Grande do Sul que autorizaram o saque do ano de 2013 de aproximadamente R$ 5 bilhões são inconstitucionais, pois quando um cidadão vai a juízo e é compelido por ordem judicial a depositar valores em conta judicial, entendemos que esses valores devem ficar sob a guarda do Judiciário, porque são valores de propriedade privada, do cidadão; são valores carimbados, identificados. O ato de sacá-los ocorreu nos últimos três governos, portanto a nossa bandeira é uma bandeira constitucional.

Sul 21 – Como o senhor disse os saques dos depósitos judiciais ocorreram nos últimos três governos e a OAB ingressou com a ação só em 2013, não há uma conotação política na decisão da Ordem?

Bertoluci – Eu respondo com muita tranquilidade porque a Ordem não se movimenta por bandeiras político-partidárias; o nosso único partido é a Constituição Federal; a Ordem é uma instituição apartidária. Por que só fez agora? A Ordem fez agora justamente porque os valores sacados do ano de 2013 foram bastante altos e fizemos agora porque se mostrou necessário sob o ponto de vista do risco que significa o ato de saque dos depósitos judiciais. Eu sou presidente da OAB desde o dia 1º de janeiro de 2013 e tenho a convicção que a Ordem, muito antes de 2013, já debatia esse tema, já se manifestava em relação a esse tema - que é um tema de ordem cidadã de grande repercussão. A consequência de um cidadão buscar no banco do Estado e não ver os créditos pagos por falta de recursos, isso é muito sério. É por isso que a Ordem foi ao Supremo e a nossa ação já conta com parecer favorável da Advocacia Geral da União (AGU).

Sul 21 – A OAB tem uma previsão de julgamento dessa ação pelo STF?

Bertoluci – Não recebemos nenhuma previsão. E há outros grandes temas de ordem cidadã. Quando nós falamos de processo eletrônico - a necessidade de o cidadão acessar a Justiça não só através do meio eletrônico, mas através do papel, da petição papel -, nós estamos falando de um tema de caráter misto, de ordem cidadã, mas também de ordem profissional. Não é possível que, em um país com baixa tecnologia, seja a única forma de acesso à justiça do cidadão a via eletrônica. Portanto, a Ordem sustenta a simultaneidade dos sistemas, reconhecemos que o processo eletrônico chegou e é irreversível, mas não vivemos num país abastardo, não temos como presumir que todo o cidadão pode usar esse instrumento para chegar e bater as portas de um juiz.

Sul 21 – A OAB, na época da ditadura militar, esteve na linha de frente da resistência ao regime, tendo inclusive sofrido o atentado em sua sede do Rio de Janeiro. O que diferencia e o que aproxima a OAB daquela época do perfil atual da entidade?

Bertoluci – A Ordem, de fato, protagonizou vários grandes momentos da vida brasileira. Poderia listar vários, mas aqui apenas alguns: a atuação da Ordem pelo restabelecimento das garantias no período mais sangrento da vida brasileira, a luta da OAB no sentido da convocação de uma Assembleia Constituinte Una e Exclusiva e a assinatura da petição do impeachment de um presidente da República (Fernando Collor).

Portanto, a grande atuação da Ordem, na segunda metade do século passado, ocorreu, justamente, para buscar o Estado Democrático de Direito. A nossa pauta conceitual da Ordem do nosso tempo, do novo milênio, é irmos além do Estado Democrático Formal de Direito. A nossa pauta conceitual do nosso tempo, do novo milênio, é buscarmos o Estado Democrático e Material de Direito, ou seja, não apenas o Estado Formal de Direito - Estado que nós recebemos fruto do trabalho das gerações que nos antecederam, com instituições sérias, com instituições trabalhando de uma forma democrática, cortando na própria carne, sempre que necessário - mas, além disso, é preciso que exista constitucionalização dos direitos. Logo, essa é uma grande pauta da OAB. Dentro do tema constitucionalização dos direitos, está evidentemente a advocacia respeitada, advogado forte. É inviável qualquer raciocínio numa sociedade materialmente justa sem advocacia forte. E advocacia forte significa, sim, cuidar da classe, com relação ao respeito que devem ter os magistrados com relação às prerrogativas do advogado, mas também fazer valer esse Estado não só formal de Direito, mas substancial, materialmente a redução das desigualdades sociais para que o Brasil possa viver numa sociedade mais justa, fraterna e solidária com direitos sociais reconhecidos e cumpridos e direitos individuais respeitados.

Quando um advogado vai a uma delegacia de Polícia, ele dever ter acessos aos autos do inquérito policial, por exemplo, não só pelo seu exercício profissional, mas a bem do respeito ao cidadão. Nós vivemos num sistema antropocêntrico: é o indivíduo o grande sujeito de direitos e tem de ser protegido pelo Estado. Sendo assim, o grande papel da Ordem nesse novo milênio é buscar o amadurecimento e a concretização das garantias constitucionais.

Sul 21 – Por falar em respeito aos advogados, faltou respeito a esses profissionais por parte do ex-presidente do STF Joaquim Barbosa em alguns momentos do julgamento do mensalão?

Bertoluci – Nós vivenciamos e vivemos muitos episódios que nos entristeceram enquanto advogados e dirigentes de Ordem. Nesse aspecto, uma das coisas que mais nos toca foi, justamente, a condução e, aqui, eu não estou me referindo ao mensalão - pois essa é uma questão já julgada e coube ao Judiciário cuidar, ter sua avaliação de mérito - mas faltou, sim, em vários momentos, cordialidade; faltou, sim, em vários momentos, uma melhor interlocução com a classe dos advogados; faltou, sim, um melhor exercício do poder no plano do exercício democrático do poder. O poder não se legitima apenas pela sua legitimação formal, mas, sim, por atitudes, por ações concretas e, dentre as ações que a Ordem espera de um dirigente, como um presidente do Supremo Tribunal Federal, está a capacidade de ouvir, a capacidade de dialogar e a capacidade de construir coletivamente. Na minha avaliação, em muitos momentos faltou (respeito) sim.

Sul 21  O senhor acredita que há realmente uma judicialização das grandes questões políticas e institucionais do país?

Bertoluci – Na verdade, o processo de judicialização, de um modo geral, é um fenômeno natural de uma democracia recente e ela pode ser concebida de várias formas: pode ter um caminho, um grau natural e saudável, mas a excessiva judicialização sobre determinados temas pode, sim, também diagnosticar uma anomalia. Então, é preciso ter muito cuidado quando a gente fala em judicialização para perceber de qual tema estamos falando, de que setor da sociedade nós estamos falando. Por exemplo, a judicialização da saúde é um grande problema porque denota absoluta fragilidade dos poderes Executivos com relação à falta de cumprimento das demandas de saúde. Agora, a política, de um modo geral, e os autores da política convivem no Poder Judiciário, muitas vezes em questões judicializadas, muitas vezes no exercício democrático para firmar suas convicções. Por conseguinte, nós temos que entender que é saudável, de um modo geral, o exercício do direito de acesso à Justiça como forma de exercício democrático, essa é a regra geral. Excepcionalmente, a judicialização pode ser traduzida em uma anomalia, numa disfunção do sistema, numa lacuna, ou seja, quando um dos entes federados deixa de cumprir a sua função, omite-se. A judicialização pode, muitas vezes, ser a forma de preenchimento de uma lacuna.

Sul 21  Por falar em preenchimento de lacuna pelo Judiciário, o Supremo é que interfere no meio político, que deveria legislar, mas não o faz, ou a instância máxima do Judiciário brasileiro realmente está extrapolando seus limites?

Bertoluci – Eu percebo, sim, que a falta de uma reforma politica é apenas um dos tantos exemplos; eu percebo, sim, por parte das casas legislativas em muitos temas um déficit, ou seja, a cidadania espera mais das casas legislativas. Por que razão uma reforma política não sai do papel há mais de 20 anos no Congresso Nacional? Nesse aspecto, eu vejo muito mais a atuação do Supremo Tribunal Federal como uma necessidade em muitos temas pela omissão das casas legislativas do que propriamente um ativismo judicial, do que uma judicialização, do que uma invasão indevida. Portanto, o grande objetivo desse novo milênio é que os poderes, na sua conformação de equidistância - os poderes são equidistantes entre si - tenham maior equilíbrio de condução das atribuições. Uma democracia plena é aquela que todos os poderes exercem de forma equilibrada suas atribuições sem que um tenha que sobrepor à função do outro. Infelizmente, no Brasil, muitas vezes há uma necessidade, sim, que a cidadania bata as portas do Judiciário para que o Judiciário preencha a falta de conteúdo da atuação do Legislativo, e outras vezes que preencha as omissões do Poder Executivo.

Sul 21 – Normalmente, quando o STF toma uma decisão em relação ao meio político, o Congresso Nacional faz críticas pesadas ao Supremo pela interferência no Legislativo.

Bertoluci – Uma coisa é interferência e a Ordem é contrária a qualquer tipo de interferência, outra coisa é a necessidade de atuação para suprir a lacuna daquele que não fez, ou se fez, fez errado.

Sul 21 – Retomando o tema da reforma política, o que propõe a proposta apresentada pela OAB?

Bertoluci – A Ordem propõe, e essa proposição vem de um trabalho de convergência entre a OAB nacional, a Ordem estadual e as subseções do Estado, um sistema que afaste as pessoas jurídicas, as empresas do financiamento de campanha. A Ordem chama isso de "financiamento democrático de campanhas", ou seja, pessoa jurídica não pode, na visão da Ordem, financiar eleições. Num segundo polo, as doações por pessoas físicas tem limite de até aproximadamente um salário mínimo, em torno de R$ 750, e, com isso, visando a fortalecer o poder do protagonista, que é o povo, que é o cidadão. Não é razoável, na visão da Ordem, que empresas "invistam" e depois busquem logo adiante uma proximidade com o poder público.

Sul 21 – Em que fase está o projeto de reforma política da OAB? Estão sendo coletadas assinaturas?

Bertoluci – Sim, nós estamos caminhando bem, a passos largos ele avança. Nós temos um comitê, aqui na Ordem, permanente, de coalizão pela reforma política; o meio físico, através do nosso site, e todas as OABs irmanadas nesse tema. Aqui, no Estado, há 106 subseções coletando assinaturas.

Sul 21 – E qual é o número de assinaturas coletadas até o momento?

Bertoluci – O nosso número atualizado é em torno de 800 mil, mas nós precisamos 1,5 milhão para protocolar (projeto).

Sul 21 – O senhor acredita que só uma forte pressão popular pode fazer a reforma política sair do papel?

Bertoluci – Eu tenho a convicção que a forma mais adequada, o instrumento factível para uma reforma política, é que parta da base da sociedade, que é, justamente, o modelo, o projeto de lei cunhado pela OAB e pelas outras instituições parceiras, porque nós não podemos esperar isso dos nossos governantes. Não é razoável, na história recente do Brasil, que os últimos 20 anos mostraram com todas as letras que não há vontade política. E quando não há vontade política, o cidadão deve fazer por si; somos nós que elegemos, somos nós os responsáveis por colocarmos aquelas pessoas que estão lá. Portanto, é preciso sim que venha e eu não diria propriamente de uma pressão, embora possa essa ser uma palavra simbólica importante, mas de uma mobilização competente, ou seja, as pessoas precisam avaliar que elas são os grandes protagonistas deste país.

A Lei da Ficha Limpa é um grande exemplo. Se não fosse a articulação da cidadania, a Lei não sairia muito provavelmente. As Eleições Limpas também - esse projeto da OAB Nacional, que visa a evitar a compra de votos. Então, eu acredito cada vez mais na mobilização cidadã, numa mobilização organizada, eficiente, que busque resultados conceituais. A cidadania precisa saber o que ela quer e aonde quer chegar, é claro que as pressões, e aí os movimentos de rua simbolizam bem, em alguns momentos são absolutamente essenciais. Por que razão, nos momentos de meados de 2013, o Congresso em pouco tempo fez muito? Tivemos experiência ali uns 15 dias de uma grande produção; produziu o que não produziu em muitos anos.

Sul 21 – Por que a OAB não se engajou no plebiscito por uma Constituinte exclusiva?

Bertoluci – A Ordem se manifestou imediatamente no momento das primeiras manifestações, contrariamente a qualquer ideia de ruptura institucional. Uma nova Constituição só deve ser convocada quando houver um risco democrático. Nós temos uma Constituição muito boa, por isso a Ordem se manifestou contrária à ideia do plebiscito, ou algo do gênero, através de um instrumento mais rápido, mais efetivo, mais competente, o projeto de lei de iniciativa popular, sobretudo, pelas mais recentes vitórias como a lei da Ficha Limpa. Não pretendemos fazer modificações que impliquem risco democrático, bem ao contrário, temos de arrumar aquilo que precisa ser arrumado. Muitas coisas na ordem constitucional estão corretas; nós temos uma excelente Constituição Federal.

Sul 21 – E qual é sua opinião sobre mecanismos de participação popular como o plebiscito e o referendo?

Bertoluci – A participação popular, na nossa visão, deve ser sempre fomentada, incentivada, porque, cada vez mais, o cidadão deve expor sua voz. Agora, com relação ao tema reforma política, como ele é urgente, na nossa avaliação ele tem de ser tratado de uma forma competente, mais eficaz, mais rápido. Não é possível que para cada R$ 1 investido por empresa privada, ela, em alguns poucos anos depois, receba R$ 8; não é possível que a inflação tenha, no mesmo período de tempo, nos últimos cinco anos, 71%, e o custo das campanhas aumente 470%. Quem que tem condições de se candidatar a deputado federal ou a senador neste país? Como é que fica a igualdade de participação das pessoas? Como é que fica a vocação que cada um traz dentro de si, dos seus sonhos? È absolutamente desigual.

Sul 21 – Que avaliação o senhor faz da campanha Eleições Limpas? Está tendo um retorno?

Bertoluci – Muito. Nós aqui na Ordem temos uma ouvidoria permanente, estamos sempre monitorando e avaliando as redes sociais. Abrimos também uma ouvidoria para que o cidadão informe à Ordem, comunique qualquer notícia, qualquer desvio do uso da internet. Se isso chegar à Ordem, nós vamos imediatamente tomar as providências cabíveis. Nós também temos a campanha Memória do Voto, fomentando que o cidadão registre (na colinha) seu escolhido e depois cobre as propostas, porque voto não tem preço, tem consequência.

Sul 21 – A OAB ouviu os candidatos ao governo do Estado. Houve um comprometimento dos candidatos para o pagamento do piso e com aplicação do percentual constitucional para a saúde?

Bertoluci – Os candidatos firmaram um compromisso de utilizarem a rede (internet) de uma forma limpa, ou seja, utilizarem a rede de uma forma propositiva, de uma maneira saudável. Todos eles formaram esse compromisso aqui na Ordem. E em relação aos temas saúde, educação e precatórios, temas de ordem constitucional, eles apresentaram suas ideias, suas propostas; não cabe à OAB, exatamente neste momento como em nenhum outro, avaliá-las; cabe à Ordem respeitar as propostas de todos porque somos uma instituição apartidária que trabalha pelo cumprimento da Constituição.

Sul 21 – Hoje há um descrédito com certas instituições como o Congresso. Por que isso acontece?

Bertoluci – Primeiro, eu gostaria de dizer que todos nós e a Ordem temos o papel de demonstrar que a política é absolutamente indispensável. Nós não podemos fazer generalizações, a cidadania precisa compreender que, sem o exercício da política, sem o exercício da democracia, nós não podemos viver em paz. Portanto, temos de ter muito cuidado e incentivar as novas gerações que a política é uma atividade absolutamente indispensável.

Agora, o descrédito vem, justamente, de uma série de desmandos que ocorre no país. Penso que isso vem muito pela centralização de poder no Brasil, à medida que a União retém dois terços da riqueza nacional. Os Estados e os municípios são os entes federados que são mais cobrados pela cidadania, pois é no município e é no Estado que o cidadão busca escola, busca saúde, busca transporte e, muitas vezes, não conseguem dar a devida resposta. Mas é importante que a cidadania saiba que ela não pode transferir a responsabilidade para o outro, cada um de nós tem a sua parcela de responsabilidade na escolha. Coitado do povo que não busca informações para escolher bem! Eu penso que nós, enquanto país, amadurecemos e avançamos muito nos últimos 25 anos. Não é, também, o momento de se fazer terra arrasada; as pessoas que viveram o momento sangrento da vida brasileira percebem que nós avançamos muito, mas nós temos que avançar muito mais.

Sul 21 – Em relação ao combate à corrupção, na sua opinião, o Brasil avançou na criação de mecanismos?

Bertoluci – Eu não tenho a menor dúvida de que o Brasil avançou muito em mecanismos, tanto que hoje existem instituições soberanas, instituições fortes, instituições que trazem na sua constituição poderes de correição. Nós temos uma gama de novas leis, muitas leis de caráter penal, outras de caráter administrativo. Temos uma lei anticorrupção - que é uma importante notícia – e nós temos hoje uma proteção penal muito grande em relação à improbidade administrativa, com relação ao sistema financeiro, com relação ao crédito público, com relação ao sistema tributário. Nós avançamos muito; as instituições exercem seu papel na medida das suas atribuições. Mas é evidente que um país jovem, de 500 e poucos anos como o nosso, um país que traz na sua origem uma relação com o poder muito atribulada, fruto da nossa história, tem de melhorar muito mais. Mas nós não podemos olhar para os EUA e fazermos uma comparação de colonização, de data, de tempo, nós temos de olhar para a nossa realidade e buscar comparação nos exemplos e seguir o nosso curso, de acordo com nossos caminhos.

Sul 21 – Que pontos o senhor destacaria como mais eficazes da Lei Anticorrupção?

Bertoluci – Eu penso que é, justamente, a condição que a lei apresenta de responsabilização também da pessoa jurídica, não só da pessoa física; e a modificação, a mutação das sanções que a lei prevê, não só aquelas sanções tradicionais, mas sanções de outra natureza como limitação de contratação, multas. Portanto, sanções que dizem respeito ao novo tempo que nós vivemos, ou seja, com uma sociedade que vive de forma coletiva, uma sociedade de massa com direitos difusos, uma sociedade do risco, uma sociedade da informação online. Portanto, é uma legislação que agrega como um instrumento a mais de defesa da cidadania.

Sul 21 – Como o senhor acha que pode ser resolvido o problema da superlotação dos presídios?

Bertoluci – A superlotação dos presídios tem de ser resolvida sob uma ótica absolutamente responsável, é uma questão que vem sendo deixada de lado há muitos anos, vem se arrastando, e, por mais que a Ardem reconheça avanços, e reconhece avanços recentes que estão acontecendo…

Sul 21- Que tipo de avanços?

Bertoluci – Construção de presídios menores, construção de presídios modulados, descentralização do sistema prisional, em vez daquele modelo comunitário de concentração na Capital. É salutar perceber a construção de unidades menores, a aproximação do apenado da sua família e perspectiva de trabalho. Mas o déficit é tão grande, a falta do Estado - e quando falo de Estado falo de uma maneira genérica, não o ente federado Estado -, a falta do poder público é tão grande nos últimos 30 anos no Brasil que nós vivemos hoje o verdadeiro colapso do sistema prisional. Por essa razão, a Ordem denunciou as condições do Presídio Central às Cortes Internacionais, ou seja, na visão da Ordem, nós vivemos numa situação de absoluto colapso. E só é enfrentado esse colapso com investimento, com técnica, com disposição política, mas com investimento financeiro também; é preciso priorizar escola, hospital, mas presídio também, porque as pessoas que estão lá são titulares de direitos e elas estão saindo piores do que entraram.

Sul 21 – Qual a opinião da OAB sobre o uso das tornozeleiras eletrônicas?

Bertoluci – A Ordem entende que há um ponto comum de convergência: a absoluta falência do regime semiaberto. Ele existe na Lei de Execução Penal, mas a prática do regime semiaberto é um sinal de absoluta falência do Estado. Bom, se serão as tornozeleiras ou alguma outra forma, a Ordem entende que precisamos avaliar isso. É preciso respeitar, primeiro, o direito, a dignidade do apenado, mas é preciso que o Estado, a execução penal, imprima o mínimo de eficiência no trato dessa questão. O que a Ordem não concorda efetivamente é com a prática atual do regime semiaberto, as outras formas devem ser avaliadas com muita responsabilidade, com muita profundidade para que se afirme a Lei de Execução Penal e a Constituição Federal, portanto uma visão mais macro nossa do que específica.

Sul 21 – O governo do Estado contratou uma empresa para fazer a segurança no presídio de Venâncio Aires. Qual sua posição sobre essa medida?

Bertoluci – Na verdade, a privatização dos presídios foi uma boa prática em muitos Estados. Por outro lado, nós precisamos entender o que propõe esse modelo de privatização. A Ordem quer avaliar, mas nós não discutimos esse tema e também não fomos convidados a falar sobre o tema. O que nós queremos avaliar é o que está sendo proposto, de que forma está sendo proposto; privatizar por privatizar também não produz solução mágica. A Ordem é contrária a todas as soluções que possam, aparentemente, serem soluções definitivas, o que a Ordem quer é conversar sobre o tema, avaliar o tema e levar ao seu Conselho Pleno para discutir. Isso é uma necessidade nossa com relação a qualquer governo. A Ordem quer continuar protagonista, discutindo esses temas.

Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759

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