O gerente de um fabricante de bebidas garantiu na Justiça o direito de receber horas extras, após provar que, apesar do cargo, não possuía poderes de gestão e tinha jornada controlada pela empresa.
Ao ser questionada na Justiça pelo trabalhador, a empresa se defendeu dizendo que o ex-empregado não estava atrelado à expediente fixo de trabalho pois ocupava o cargo de gerente de revenda, função de confiança com alto poder de mando e gestão. Para comprovar, apresentou cópia do perfil postado pelo próprio gerente em rede social voltada a relações profissionais em que são disponibilizados currículos e vagas de empregos.
A empresa disse ainda que o gerente recebia remuneração superior a 40% aos subordinados e desenvolvia atividade externa, sem controle de jornada. Por tudo isso, não fazia jus a horas extras, como autoriza as exceções do artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Mas ao julgar o caso, o juiz Paulo César Nunes da Silva, em atuação na Vara do Trabalho de Cáceres, concluiu que esse não é o caso do ex-empregado da fabricante de bebidas. Apesar do aumento da remuneração quando ele assumiu a gerência, depoimentos e testemunhos de pessoas indicados pela própria empresa demonstram que o trabalhador tinha limitada autonomia gerencial dentro da estrutura hierárquica da empresa.
Ficou demonstrado que o gerente tinha na verdade função de executar e operacionalizar decisões emanadas de uma extensa cadeia de gerências, diretoria regional, entre outras, sem poder de negociação e assinatura de contratos ou sobre contratação ou dispensa de pessoal.
As provas também revelaram que o gerente tinha pouca autonomia sobre a gestão do próprio tempo de trabalho, incluindo a existência de pagamento de abono assiduidade, conforme consta nos holerites do trabalhador, o que indica fiscalização da frequência, cumprimento de jornada e pontualidade.
Ele tinha ainda de seguir horários de início e término do expediente, momentos em que eram realizadas reuniões diárias, denotando o controle da jornada por parte da empresa, ainda que sem algum dos mecanismos tradicionais, como o relógio ou o ponto eletrônico. “Assim, o autor não tinha a ampla liberdade de gerir seu tempo, como defendido pela ré, mas submetia-se em certa medida a um controle de jornada implementado por meios indiretos pela ré”, pontuou o juiz.
Rede social
O magistrado enfatizou, por fim, que o perfil da rede social isoladamente não demonstra que efetivamente o gerente tenha desempenhado função de gestão de pessoas com altos poderes de mando e gestão. Primeiro porque as provas foram contrárias a essa informação e, ainda, “porque, tal como esclareceu o autor em seu depoimento, é deveras um (mau) hábito observado com frequência no dia a dia um certo exagero nas descrições contidas nos currículos dos candidatos a novos postos de trabalho, como chamariz para a obtenção mais fácil de nova colocação no mercado de trabalho”, observou o juiz.
Assim, diante das provas no processo, a empresa foi condenada a pagar as horas trabalhadas a mais pelo gerente, além da que tiver ultrapassado à 8ª diária ou à 44ª semanal. Tendo em vista a habitualidade das horas extras, o valor devido ao trabalhador deverá incluir a repercussão dessa verba nos cálculos das férias, o 13º salário, aviso prévio, FGTS e outros.
Por se tratar de decisão de primeiro grau, cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT).
PJe 0000231-69.2020.5.23.0031
Fonte: TRT23