|   Jornal da Ordem Edição 4.332 - Editado em Porto Alegre em 03.07.2024 pela Comunicação Social da OAB/RS
|   Art. 133 - O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Constituição Federal, 1988
NOTÍCIA

20.04.16  |  Advocacia   

Confira entrevista de Lamachia à Revista Voto

A recente edição da Revista Voto, dos meses de março e abril, traz como matéria de capa a entrevista com o presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia. Confira abaixo a conversa com os jornalistas Robson Pandolfi e Leonardo Pujol.

O progresso da Ordem

Novo presidente da OAB, Claudio Lamachia trabalha para resgatar o ideal de que as leis valem para todos. "Não vamos escolher a quem criticar ou contra quem cobrar rigor."

*Por Robson Pandolfi e Leonardo Pujol

Você já esteve à frente da seccional gaúcha da Ordem e foi vice-presidente do Conselho Federal da entidade. Que lições tirou de suas experiências anteriores?

A vice-presidência do Conselho Federal foi uma etapa muito importante dentro de minha trajetória na OAB. Antes disso, presidi a Ordem gaúcha por duas oportunidades, de 2007 a 2012, período que me deu uma ampla experiência atuando nos problemas do cotidiano da advocacia, além da possibilidade de defender as pautas da sociedade. Ao chegar no Conselho Federal, pude conhecer mais a fundo os entraves do exercício da advocacia por todo o País. Nossos problemas não são tão diferentes quanto os vistos nas demais regiões. Essa visão mais abrangente permite que eu atue, juntamente com os presidentes das seccionais, em busca de soluções que atendam amplamente a classe, conforme as suas características individuais. Hoje, me sinto mais preparado para a responsabilidade de atuar em nome da advocacia brasileira, por conhecer melhor a realidade por inteiro.

Quais são as prioridades desta nova gestão?

Temos um plano para a OAB que abrange duas frentes, uma voltada para a sociedade em geral e outra para os advogados. A Constituição Federal confere à OAB o papel de instituição guardiã dos direitos e garantias individuais do cidadão e da própria Constituição. Por isso, a entidade se debruça sobre assuntos de interesse da sociedade, como a ética na política, o impeachment da presidente da República, a recriação da CPMF, a reformulação do pacto federativo, a defasagem da tabela do Imposto de Renda e soluções para a saúde, a educação e a segurança – que são direitos de todos. A OAB continuará, portanto, engajada nesses grandes debates sociais. Não só nesses que citei, mas também nas novas questões que surgirem e para as quais o posicionamento da Ordem for relevante. No campo corporativo, voltado para a classe dos advogados, que é quem banca a OAB, a gestão dará prioridade para a defesa das prerrogativas da advocacia.

Que prerrogativas são essas?

São a garantia de que o advogado pode exercer sua profissão sob qualquer situação. Elas são sagradas. Planejo uma campanha para esclarecer a sociedade sobre a importância do advogado, pois ainda há muita confusão e desinformação. Nunca teremos uma sociedade livre, justa, igualitária e democrática se as prerrogativas dos advogados não forem respeitadas. Para o cidadão ser bem defendido, ele precisa ser representado por um profissional fortalecido. O lema da OAB é: advogado valorizado, cidadão respeitado.

A corrupção e os escândalos do Governo Federal foram eixos do seu discurso de posse. Qual será a postura da OAB daqui em diante do tema?

A OAB tem atuado historicamente contra a corrupção e contra a impunidade. Assim continuaremos. A OAB cobrará a apuração das suspeitas que recaem contra todos os envolvidos, sejam eles quem forem, do partido que for. É preciso apurar, encontrar os culpados e punir. Mas tudo dentro da lei, dentro das regras do Estado Democrático de Direito. Isso quer dizer que os investigados e os réus precisam ter direito à ampla defesa e ao devido processo legal, e os advogados precisam ter suas prerrogativas asseguradas e o direito de trabalhar com liberdade. O processo deve ser conduzido seguindo todo o procedimento legal, sem pular etapas. Ninguém merece privilégios nem merece linchamento. O Estado de Direito significa que a lei deve ser aplicada para todos, seja quem for, independentemente de sua condição política ou social. A Ordem também cobra o imediato afastamento do deputado Eduardo Cunha da Presidência da Câmara. Eduardo Cunha é, talvez, o grande adversário do governo neste momento porque ele deflagrou o processo de impeachment da presidente da República na Câmara dos Deputados e tem, de certo modo, o controle desse processo. Ou seja: a OAB não vai escolher quem criticar ou contra quem cobrar rigor.

De que maneira a entidade pretende cumprir esse papel?

A Ordem está engajada numa grande mobilização pela importância do voto consciente e contra o caixa dois nas campanhas eleitorais. É óbvio que o povo não é culpado pelo crime que algum político cometa no exercício do cargo. O único responsável pelo crime é seu autor. Mas o eleitor precisa saber que a escolha do candidato é muito importante e terá reflexos graves em sua vida. É preciso ter como valores permanentes a importância e a responsabilidade do voto. Queremos aproveitar este ano eleitoral para potencializar essa mensagem. As pessoas precisam escolher seus candidatos com base em elementos concretos. E, depois da eleição, o eleitor precisa fiscalizar.

Fiscalizar como?

É um caminho difícil esse de estar sempre vigilante ao que os políticos fazem, mas não tem mágica. Cuidar da coisa pública demanda esforço de todos nós. Desse modo, acreditamos que as instituições responsáveis por fiscalizar o uso da verba pública também se tornarão melhores. A OAB condenou as gravações de ligações entre advogados e clientes.

Quanto aos demais grampos, envolvendo, por exemplo, o ex-presidente Lula, qual a sua opinião?

É inadmissível, no Estado Democrático de Direito, a violação das ligações telefônicas entre advogados e clientes. A gravação de advogados e clientes, mesmo com autorização judicial, sem que os profissionais estejam sendo investigados, fere uma prerrogativa garantida pela Lei 8.906 de 1994, o Estatuto da Advocacia. A Ordem quer combater a impunidade e a corrupção. Defendemos a celeridade processual e o levantamento de sigilo destes processos em nome de um princípio maior, que é o da informação, mas não podemos permitir que isso seja feito ferindo a Constituição Federal.

Muitos dos acusados de corrupção continuam em seus respectivos cargos. Quais são as consequências disso?

As consequências são a possibilidade de eles usarem o poder e a influência de seus cargos de deputado federal e de senador para interferir e prejudicar as investigações contra si. No caso do deputado Eduardo Cunha, é flagrante a interferência dele no processo que corre no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, atrasando a tramitação que pode culminar na cassação de seu mandato. E o senador Delcídio, como já ficou claro em áudios tornados públicos, usou sua influência para interferir na Lava Jato e oferecer ajuda para retirar um dos investigados do País. Eles precisam ser afastados dos mandatos imediatamente. É um escárnio com o eleitor eles continuarem a exercer esses cargos sem que sejam julgados. A eles, deve-se assegurar o devido processo legal e a ampla defesa, mas o parlamento não pode mais ser agredido. Além disso, a presença de ambos, sob todas essas suspeitas, só contribui para arruinar a imagem do Poder Legislativo, que é um dos pilares de nossa República.

O que dizer, então, da nomeação de Lula como ministro da Casa Civil?

Os fatos dão conta de que a nomeação foi planejada para dar ao ex-presidente a prerrogativa do foro privilegiado. Isso não tem impacto nas demais instituições, mas fere diretamente a credibilidade da Presidência da República. É uma medida inaceitável. As instituições, por sua vez, estão funcionando.

Nas escutas, a OAB é citada de forma pejorativa. Qual a posição da entidade?

Repudio as declarações de baixo calão usadas para se referir à OAB, uma entidade que tem 85 anos de serviços prestados à sociedade e à democracia brasileira. Esses termos não se coadunam com a linguagem que altas autoridades da República deveriam usar ao se referir à OAB.

Operações como a Lava Jato e a Zelotes mostram que a corrupção tem muitas ramificações e que estão longe de se limitar ao poder público. Que lição é possível tirar dessas ações?

Como ainda não conheço os autos, prefiro não comentar casos concretos. Mas o que posso dizer sobre a corrupção no País é que o cidadão tem uma percepção de que a corrupção existe. Logo, ele precisa sentir que a corrupção também é punida. A OAB espera que o Brasil deixe de ser o país da impunidade. E espera também que, cada vez mais, o Brasil seja fortalecido como um Estado Democrático de Direito, em que a ampla defesa esteja assegurada. Que o julgamento justo e o devido processo legal sejam entendidos como um direito básico de todos, sem importar cor ou condição social.

Como você avalia a atuação do juiz Sérgio Moro?

A operação Lava Jato tem realizado um grande trabalho de combate à corrupção. Vem esclarecendo fatos importantíssimos e repatriando uma grande quantidade de recursos. No entanto, existem erros cometidos no meio do caminho. Houve queixas de advogados que recorreram à OAB para ter suas prerrogativas garantidas. A justiça deve ser feita, mas sempre respeitando as normas processuais, o devido processo legal, a ampla defesa e, acima de tudo, a Constituição Federal.

O Congresso Nacional parece receoso de tocar em pautas delicadas para a sociedade, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto ou até mesmo as reformas fiscal e política. Por que essas pautas parecem não andar?

O Legislativo parece ser o palco ideal para esses debates. É lá que estão os representantes eleitos pelo povo para criar as leis e, ao menos, debater os temas que a sociedade considera relevantes. Se algum setor vê suas pautas travadas, esse setor precisa se mobilizar. O papel do STF é zelar pela Constituição. No entanto, essa lentidão do Legislativo em apreciar pautas importantes acaba fazendo com que muitas delas sejam definidas pelo próprio Judiciário. Foi o caso da proposta para redução de recursos judiciais, que não prosperou na Câmara, mas recentemente teve um novo capítulo com a decisão do STF da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

Qual o efeito disso?

A sociedade demanda novas normas para acompanhar sua modernização. O Judiciário, quando se vê na função de criar normas, está suprindo carências da sociedade. O problema é que o Judiciário não comporta realizar sua tarefa e também a tarefa de normatizar, que é própria do Poder Legislativo. A capacidade instalada do Judiciário não mais dá conta da demanda, pilhas e pilhas de processos e o cidadão esperando a jurisdição. Sabemos todos que a justiça que tarda acaba por ser injustiça. O STF, que decide sobre essas grandes questões, tem muitos processos acumulados. O acesso à Justiça está comprometido. O desejável seria que o Legislativo resolvesse essas questões.

De que forma a decisão de que a sentença pode ser executada antes do trânsito em julgado da condenação afeta o amplo direito de defesa e, em última instância, a sociedade como um todo?

Todo cidadão pode vir a precisar de um advogado. A Constituição garante a ampla defesa e o princípio da presunção da inocência até o trânsito em julgado para todos. Se uma pessoa for presa depois da decisão em segunda instância e, depois de vários anos, um tribunal superior entender que a segunda instância errou... Como fica isso? Quem devolve para o cidadão esses anos em que ele ficou preso? Esse talvez seja o exemplo mais emblemático. Mas podemos falar também sobre disputas judiciais em torno de valores. A segunda instância manda alguém pagar uma dívida. Depois de anos, o tribunal superior entende que o cálculo estava errado para mais... Vá lá saber o impacto que essa conta errada teve na vida do cidadão ou da empresa que foi obrigada a executar o gasto. Talvez tenha ido à falência. Para punir uma minoria, não se pode criar regras que restrinjam o direito da sociedade inteira. A regra é a inocência. Nossa Constituição traz a presunção de inocência como um princípio, um valor da República. A OAB preza por esse valor. Não se pode pretender combater o crime cometendo outro crime, que é colocar um inocente na cadeia. Isso pode até mesmo ocorrer com alguém que tenha se envolvido com um simples acidente de trânsito. Temos também de considerar os altos índices de reformas das decisões de segundo pelos tribunais superiores, o que nos dá a dimensão exata de que poderemos, em determinados momentos, cometer injustiças.

Você já disse que a advocacia vem passando por turbulências. Quais são os principais obstáculos da categoria? Como superá-los?

Há uma falsa ideia de que os recursos são intermináveis e beneficiam os réus. Mas o fato é que, se o Judiciário fosse célere, os recursos não teriam esse estigma. Quase 30% das decisões são reformadas nos tribunais superiores. É um número alarmante que diz mais sobre a qualidade e a estrutura da prestação jurisdicional do que da atuação da advocacia. Quem vê os prédios suntuosos dos tribunais não faz ideia do que é o Judiciário. Só conhece a realidade da Justiça quem vai a um foro regional ou do interior. Há comarcas que não sabem nem o que é um juiz, pois ele não existe. A realidade é que o Judiciário não está preparado para enfrentar a demanda existente hoje. Tribunais federais estão querendo reduzir o horário do expediente para poupar o dinheiro da conta de luz. Falta pessoal para os cartórios, faltam juízes, há um excesso de responsabilidade sobre os ombros dos estagiários da Justiça, há sérios problemas de gestão. Justiça é um direito básico como a saúde, a segurança e a educação. Ou investimos na estrutura e no aumento do pessoal, juízes e servidores, ou em muito pouco tempo vamos enfrentar um apagão generalizado de Justiça. Ou nos damos conta disso hoje, ou será tarde demais.

Fonte: OAB/RS

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