Nos últimos dez anos, 50 mil presos fugiram das cadeias do Rio Grande do Sul, que tem uma população carcerária de 28 mil detentos. Só na região metropolitana de Porto Alegre, a média de fugas é de 274 presos por mês e os números são usados pelo governo estadual como novas vagas abertas no sistema prisional, que tem, na realidade – sem considerar as fugas - um déficit nos mapas da Justiça de 10.500 vagas no estado (a metade na capital), o que levou os juízes das varas de execuções penais a decidirem pela prisão apenas de autores de crimes hediondos.
Esta situação explosiva foi revelada em detalhes à Agência Brasil, pelo juiz encarregado da fiscalização dos presídios da região metropolitana de Porto Alegre, Sidnei Brzuska. Ele disse que o caos é provocado, principalmente, pela falta de investimentos do governo estadual na construção de presídios, o que levou os juízes gaúchos, por ampla maioria, a decidirem não assinar mandados de prisão a partir da última segunda-feira (8), a não ser para os autores de crimes como latrocínio, estupro, sequestro, tráfico de drogas e homicídio qualificado.
“É como se, aproximadamente, nos últimos dez anos, quase todos os presos tivessem fugido duas vezes”, afirmou o juiz Sidnei Brzuska. Além disso, acrescenta, os presos da região metropolitana vivem num espaço de 1 metro quadrado para cada um, quando a lei prevê um espaço mínimo de 6 metros quadrados e “em algumas áreas, esse espaço é inferior a 1 metro quadrado (50 ou 70 centímetros pra cada preso)”.
Para resolver o problema da superlotação no Presídio Central de Porto Alegre, por exemplo, seria necessário construir seis penitenciárias com 500 vagas cada uma. Isso porque lá vivem 4.800 detentos, quando a capacidade máxima é para 1.550. Existem no estado cerca de 90 presídios e quase todos enfrentam problema idêntico, segundo Brizuska, o que levou os 60 juízes de execuções criminais a reduzirem as ordens de prisão.
A quantidade de presos lá amontoados é superior à de 218 municípios gaúchos e a conta de luz chega a cerca de R$ 500 mil, de acordo com o juiz. A situação é tão dramática que a fuga é necessária para manter o sistema, pois se os presos parassem de fugir haveria uma explosão da população carcerária, diz o magistrado. Só nos primeiros cinco meses do ano, fugiram 1.300 presos, o que corresponde 62,7% do total de detentos das cadeias gaúchas.
Por causa da superlotação, os juízes mandaram abrir as portas das celas em alguns presídios e deixaram os presos viver nas galerias. “Na região metropolitana, são 7.500 presos nesta situação”, revelou o juiz entrevistado pela Agência Brasil. Uma situação perigosa, como ele reconhece, pois o estado não controla os presos soltos nas galerias, mas apenas a porta do setor e o os corredores. “É o sistema do autocontrole pelos presos, que se auto-organizam, se dividem em facções, e isso produz uma série de problemas internos e externos”, disse.
Nesse contexto, afirmou o juiz Brzuska, o sistema prisional passou a ser um gerador de criminalidade, quando sua função é justamente o contrário, isto é, deveria impedir que o crime ocorresse. Por isso, os juízes das varas de execuções penais se reuniram e decidiram “fazer uma seleção de quem deveria ir para os presídios”.
No Rio Grande do Sul, os presos não ficam em delegacias. Eles têm que ser recolhidos aos presídios por uma norma estabelecida pela Justiça anos atrás, quando mandou esvaziar as celas das delegacias superlotadas. Isso se aplica a qualquer caso de prisão em flagrante, prisão provisória, prisão preventiva ou crime hediondo. Tal medida, segundo Sidnei Brzuska, fez com que o Rio Grande do Sul tivesse o melhor sistema prisional do país durante muito tempo.
Com a atitude dos atuais juízes das varas de execuções penais, não será preso quem praticou um delito leve, respondeu ao processo em liberdade, mas acabou condenado, e não se envolveu em um novo crime. O mandado de prisão fica engavetado e não será executado pela Justiça “até que se melhore essa questão das vagas, com o cuidado de não deixar cair em prescrição” (vencer o prazo de validade da condenação).
“Essa medida não terá um impacto muito grande no sistema prisional e acreditamos que não causará um prejuízo tão grande à sociedade em matéria de segurança, porque o sujeito está solto e não está praticando um novo crime. Se voltar a delinquir e for preso em flagrante, será recolhido”, disse o juiz.
O magistrado lembrou que uma medida semelhante foi aplicada anteriormente na comarca de Santa Maria, também no Rio Grande do Sul, mas de maneira radical: a expedição de mandados de prisão para todo tipo de crime foi suspensa durante certo tempo, o que resultou na redução de 20 % no número de presos num período de seis meses. "Que impacto isso terá agora na região metropolitana de Porto Alegre é preciso esperar para ver”, afirmou.
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Fonte: Agência Brasil
Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759