A 3ª Turma dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) seguiu à unanimidade voto do relator, juiz Mateus Milhomem de Sousa, e concedeu, parcialmente, recurso de uma motorista de aplicativo para condenar uma empresa de transporte urbano a pagá-la R$ 5 mil por danos morais em razão de ter suspendido a conta dela na plataforma, de forma abrupta e definitiva, sem comunicação prévia e sem que lhe fosse dada a oportunidade de se defender.
Nos autos consta que a motorista ingressou na plataforma em junho de 2016, atraída pela promessa de ganhos diários de aproximadamente R$ 200. Para exercer a atividade, fez investimentos, incluindo o financiamento de um veículo e a aquisição de um celular compatível com o aplicativo. Contudo, em dezembro de 2024, teve sua conta suspensa permanentemente sob alegação de que infringiu os termos de uso, sem mais explicações.
Sem esclarecimento
De acordo com a motorista, apesar de diversas tentativas de contato, não obteve esclarecimentos da empresa sobre o motivo do bloqueio, razão pela qual ingressou com ação judicial para que, além dos danos morais, o aplicativo de transportes fosse obrigado a reativar seu cadastro para que continuasse prestando o serviço.
A empresa, contudo, argumentou que o bloqueio da conta da motorista ocorreu de forma justa porque, descumprindo regras da plataforma, teria sido comprovado que ela proferiu palavras inadequadas de cunho sexual no chat interno da viagem. Alegou, ainda, que exerce sua liberdade contratual, conforme garantido pelo ordenamento jurídico, não havendo obrigatoriedade de manutenção da relação contratual. A motorista alegou inexistência de provas do envio das mensagens inapropriadas.
Liberdade contratual
A sentença inicial julgou improcedentes os pedidos da motorista sob o entendimento de que não há relação de consumo entre as partes e que a adesão dos motoristas à plataforma é voluntária e sujeita às regras da empresa, sem obrigação de manutenção da parceria. Também acatou a tese da plataforma de que possui liberdade contratual e afastou também, assim, os danos morais.
Recurso
Ao analisar o recurso, Mateus Milhomem de Sousa observou que havia, sim, provas nos autos (por meio de uma captura de tela) de que a motorista, na condição de passageira, cometeu a infração ao enviar uma mensagem de conteúdo sexual e inapropriado a um motorista do aplicativo e, embora tais registros estejam armazenados apenas nos sistemas da plataforma, eles têm presunção de veracidade, exceto se houver prova em contrário, o que não foi apresentado pela motorista.
“A plataforma, como empresa privada, tem a prerrogativa de decidir com quem manterá relações contratuais, especialmente em casos em que há justificado receio quanto à segurança dos serviços prestados”, ponderou, ao afastar a possibilidade de obrigar a empresa a reabrir a conta da motorista.
Consumidora x parceira
No entanto, destacou que o uso do aplicativo possui características jurídicas distintas: enquanto motorista, atua como parceira comercial da plataforma; porém, como passageira, é tida como consumidora dos serviços e, nesse caso, essa relação é regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
“Se a infração foi cometida enquanto passageira, a sanção razoável e proporcional — caso prevista contratualmente — seria a desativação da conta de passageira, e não necessariamente da conta de motorista. Ainda que se aceite a ideia de confiabilidade geral do usuário, a sanção deve observar os princípios da legalidade contratual, tipicidade da infração e proporcionalidade da medida”, salientou o magistrado.
Dano moral
Mateus Milhomem ressaltou, ainda, que apesar da atitude reprovável, a motorista deveria ter tido a oportunidade de se defender. O magistrado afirmou, também, que a atitude da empresa, ao promover o afastamento repentino da motorista, sobretudo considerando que estava cadastrada e atuante havia oito anos, causou-se impacto econômico e social, afetando a dignidade de trabalhadora e sua estabilidade financeira e emocional. “O abalo moral mostra-se ainda mais evidente diante da ausência de transparência na desativação e da conduta omissiva da ré em proporcionar um ambiente contratual minimamente seguro e respeitoso”, finalizou.
Fonte: TJGO