Por Irineu Mariani,
desembargador do TJRS (*)
O Direito Funerário é um ramo do direito público, e assim já deliberou a 1ª Câmara Cível na apelação nº 70002563419, da qual fui relator.
Com efeito, constou no art. 72, § 5º, da CF de 1891, o seguinte: "os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação a seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis".
O vocábulo secular não tem sentido de século, ou que vive no século, contrastando com aquele que vive na clausura, isso no Direito Canônico, mas o sentido do Direito Civil, como explica De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, significando aquilo que pertencia às coisas que originariamente estavam sob o domínio da Igreja e que passaram à administração das autoridades civis.
O art. 113, nº 7, da CF de 1934, manteve a mesma redação, acrescendo a possibilidade de as associações religiosas manterem cemitérios particulares, sujeitos à fiscalização pública, sendo-lhes defeso recusar sepultamento onde não houver cemitério secular.
O art. 122, nº 5, da CF de 1937, teve uma redação enxuta, dizendo apenas que os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal.
Finalmente, a CF de 1946, no art. 141, § 10, reeditou o texto de 1937, sendo que o tema, atendendo à crítica doutrinária, saiu do texto magno com a CF de 1967, não porém do interesse do Município, abrangido pela expressão peculiar interesse usada pela Carta anterior (art. 15, II) e interesse local pela atual (art. 30, I). Nesse sentido, a doutrina de José Cretella Júnior:
Assim, mesmo sem a chancela constitucional, como ocorre agora, é da competência do Município, já que se inscreve dentre as matérias de seu peculiar interesse, a administração dos cemitérios e o exercício do respectivo poder de polícia ("Direito Municipal", 1975, p. 243).
Importante observar que as diversas Constituições, enquanto se ocuparam com a matéria, nunca afirmaram que os cemitérios tinham caráter secular público, mas apenas secular, podendo, por decorrência, os serviços ser prestados tanto pelo próprio Poder Público - e normalmente existe o cemitério público - quanto por particulares, como também é comum existir, surgindo daí o chamado cemitério-parque.
O Direito Funerário, como se vê, tanto envolve a regulação dos atos relativos ao sepultamento ou à cremação, respectivos locais e entidades que exercem a atividade, quanto a regulação dos serviços funerários em si, que vêm a ser os atos preparatórios, bem assim das entidades que exercem a atividade. E tanto num quanto noutro aspecto, faz-se presente uma questão de saúde pública que diz com interesses do sítio, pois, evidentemente, as normas de salubridade num pequeno centro urbano não precisam ser as mesmas de grande centro, onde os eventos ocorrem em grande número todos os dias.
E diga-se que, relativamente aos serviços funerários não têm sido raros os casos, seja no que tange à distância mínima das casas funerárias em relação aos hospitais, seja no que tange ao plantão de tais serviços, seja no que tange à habilitação de tais casas quando sediadas num Município para prestá-los noutro, pois é evidente que as normas, como disse, numa pequena cidade não precisam ser as mesmas de um grande centro urbano, onde os eventos ocorrem em grande número todos os dias.
São oportunos os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles: os terrenos dos cemitérios são bens de domínio público de uso especial, razão pela qual não podem ser alienados, mas simplesmente concedidos aos particulares para as sepulturas, na forma do respectivo regulamento local (Direito Municipal Brasileiro, 12ª ed., p. 428).
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(*) Excerto do voto na apelação cível nº 70010320521