Por José Carlos Teixeira Giorgis,
desembargador aposentado do TJRS (*)
A legislação brasileira acolhe a filiação biológica, oriunda do casamento, da união estável e da relação monoparental como estado de parentesco; e ainda a filiação não biológica, derivada da adoção ou de técnicas de reprodução assistida.
Diz-se que a filiação biológica identifica a família tradicional, enquanto a comunidade contemporânea é reino da filiação socioafetiva onde prevalece a verdade sociológica, princípio assimilado pela ordem constitucional.
A paternidade ou maternidade envolvem o cumprimento de funções que transcendem ao fator sangüíneo e que não repousam só no biologismo, mas no cuidado, desvelo, educação e amor ao filho, o que se alcança pela afetividade contida na adoção, reconhecimento ou fertilização artificial; pai não é quem gera, mas o que ama e dá carinho.
O estado de filiação biológica assenta-se em presunções e tem sua irreversibilidade protegida por normas jurídicas, mas o parentesco afetivo também é inviolável desde que se demonstre a estabilidade dos laços praticados no cotidiano. É o motivo por que a jurisprudência repele as incursões contra os registros feitos por pessoas que adotam à brasileira; ou que alegando resultado de exame genético tentam invalidar as matrículas de nascimento, embora cientes de que não eram os pais; também daqueles que desconhecendo, construíram sólida relação afetiva com o descendente não biológico.
A recente imigração de práticas européias tende a mudar o cenário vigente; e no soslaio estrangeiro já se aceita a possibilidade de investigar-se a paternidade mesmo quando há um pai registral anunciado; ou em casos de parentesco irrevogável.
Em síntese, busca-se um provimento judicial sem as conseqüências jurídicas regulares.
Para a doutrina lusitana a identidade de cada ser compreende duas dimensões. Uma que torna cada pessoa uma realidade singular, dotada de uma individualidade que a distingue dos demais. E outra que a vincula à memória familiar de seus antepassados, ou seja, um verdadeiro direito à historicidade pessoal.
Nesse sentido, a Justiça inglesa permite ao adotado com mais de 18 anos ter acesso ao registro primitivo e à identidade de seus genitores, não resultando qualquer declaração de paternidade ou maternidade. As cortes alemãs concedem igual tutela, assim como julgados franceses e suíços, mas sempre em situação excepcional e grave, aferidas as seqüelas nocivas da revelação.
Enquanto a investigação de paternidade tem leito no direito de família e procura a genitura biológica com reflexos no nome, parentesco, alimentos e sucessão, a pesquisa da ascendência genética apóia-se no direito constitucional de personalidade; e apenas pretende descobrir a história familiar para adotar medidas de preservação da saúde e da vida, necessidade psicológica de descortinar os pais, ou resguardar os impedimentos matrimoniais.
O direito à ancestralidade genômica, como aqui se ousa denominar, é garantia restrita a pretensões episódicas, pois quem tem pai e mãe registrais já dispõe de um estado de filiação; e somente se cogita para acautelar males genéticos passíveis de monitoramento médico.
Ademais, não favorece qualquer arremetida à desconstituição da nota original nem afaga algum usufruto dos benefícios filiais.
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