|   Jornal da Ordem Edição 4.403 - Editado em Porto Alegre em 11.10.2024 pela Comunicação Social da OAB/RS
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ARTIGO

03.05.07  |  Arnaldo Jabor   

Carta a um meritíssimo juiz - Artigo de Arnaldo Jabor

Por Arnaldo Jabor,
jornalista e cineasta.

Sr. juiz, ainda não sei se a Câmara dos Deputados vai me processar, como anunciou em plenário o presidente Arlindo Chinaglia. Mas, caso V. Exª. surja à minha frente de capa negra e cenho severo, quero que saiba exatamente do que me acusam, pois, nas palavras dos deputados e de seu presidente, eu teria insinuado que "os deputados são todos canalhas".

Portanto, peço a V. Exª. que leia a íntegra de meu comentário na CBN, do dia 24 de abril de 2007:

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"Amigos ouvintes,

Eu costumo colecionar absurdos nacionais que ouço, vejo ou leio nos jornais para fazer meus comentários aqui na CBN. Muito bem. Há dias em que não sei por onde começar. Há tantas vagabundagens neste País que só mesmo sorteando um assunto. Eu sorteei um que saiu no jornal ´Estado de São Paulo´, e acho que foi um peixe grande. O amigo ouvinte já deu a volta ao mundo? Não sei se sabe que são 44 mil quilômetros. Pois bem...

Todos sabemos que nossos queridos deputados têm o direito de receber de volta o dinheiro gasto em gasolina, seja indo para seus redutos eleitorais ou para o motel com sua amante ou seu amante. Pois bem, a Câmara, ou melhor, você e eu, meu amigo, nós pagamos esse custo, desde que eles levem notas fiscais para comprovar o gasto de gasosa.

Muito bem, de novo. Vai prestando atenção. Nos primeiros dois meses da atual legislatura, os deputados, em dois meses apenas, pediram o reembolso de 11 milhões e duzentos mil reais, pagos com a verba da Câmara.

Os repórteres do ´Estadão´ Guilherme Scarance e Silvia Amorim fizeram as contas e concluíram que entre fevereiro e março, com dinheiro público, os deputados teriam gasto um milhão de litros de gasolina. Ou seja, essa quantidade de gasolina daria para dar a volta ao mundo 255 vezes. São 255 vezes 44.000 quilômetros, que dão a distância de 11.200.000 quilômetros.

E aí é que vem a resultante espantosa: a distância da Terra à Lua é de 384 mil quilômetros, ou seja, senhores e senhoras ouvintes, daria para fazer a viagem de ida e volta à Lua 15 vezes.

Será que eu fiquei louco? Se algum matemático me ouve, verifique se estou errado. Mas acho que não. E o procurador-geral do Tribunal de Contas da União, sr. Lucas Furtado, denunciou-os dizendo que é uma "forma secreta de dar aumento de salários que eles não têm como justificar"...

Será que o sr. Arlindo Chinaglia não vê isso ou só pensa no bem do PT?

E me digam, amigos, quando é que vão prender esses canalhas? Quando a PF vai encanar essa gente, com humilhação? Quando? Ah...desculpe...eles têm imunidades e também foro privilegiado... É isso aí amigos, otários como eu..."

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Esse foi o meu "crime", sr. juiz. Irrefletidamente, escrevi "os deputados", talvez parecendo uma generalização; mas é óbvio que me referia aos autores da falsificação de notas fiscais das viagens interplanetárias e não a todos os parlamentares, principalmente porque há alguns que respeito profundamente - talvez não mais que uns 17, já que ultimamente cresceu o número dos 300 picaretas referidos uma vez por nosso "grande timoneiro".

Além disso, sr. juiz, quero deixar claro que considero o Legislativo a maior conquista que nos legou o Império, há mais de 150 anos, fundamental instituição nestes tempos lulistas, bolivarianos e equatorianos, para impedir que parlamentares sejam caçados nas ruas como ratazanas grávidas, como acontece na Venezuela e no Equador.

Sempre defendi o Legislativo, como aconteceu no episódio do petista Bruno Maranhão, milionário bolchevista que invadiu a Casa. Desafio meus denunciantes, meritíssimo, a mostrar uma frase de meus comentários que expresse desejo de que o Legislativo seja enfraquecido. Em 1996, pediram minha cabeça ao saudoso Luís Eduardo Magalhães, quando falei que "deputados do Centrão estavam sendo comprados como num shopping center". Quiseram capar-me, meritíssimo.

Nove anos depois, vimos que eu não estava tão errado assim, com o advento épico do mensalão, das sanguessugas e dos dossiês, seguidos de esfuziantes absolvições de quase todos (os três últimos foram agora reeleitos e absolvidos pelo "povo"). Mas, em todos meus uivos e ganidos, sempre ansiei pela pureza do Legislativo, contra os políticos que nele entram ou para fugir da polícia ou para viver num País paralelo, cheios de privilégios, sem pensar um minuto em nós, que eles deveriam representar.

Em meus devaneios românticos, sonho com Joaquim Nabuco, Tavares Bastos, Zacharias de Góes, Ruy Barbosa e, mais modernamente, em gente como San Thiago Dantas, Milton Campos, homens que, quando assomavam à tribuna, o vulto de Montesquieu brilhava no teto e invadia as galerias.

Meritíssimo juiz, nesses anos de comentarista, nunca tive o sádico prazer de emporcalhar o nome do Congresso nem mesmo por falta de assunto. Neste caso, quando denunciei, junto com o "Estadão", essa fraude intergaláctica, esperava candidamente que as notas fiscais fossem conferidas e os ladrões punidos. Não imaginava que fossem processar o denunciante, como se fazia na antigüidade, matando-se o mensageiro de más notícias.

E mais, meritíssimo, se um dia os nobres deputados apresentarem projetos de lei para o bem dos brasileiros, condoídos com a miséria que nos rói, se um dia eu visse alegorias patrióticas, trêmulos oradores, polêmicas sagradas, gestos indignados pelo bem do Brasil, meus comentários virariam hinos de louvor, panegíricos à instituição.

Assim sendo, meritíssimo, peço à V. Exª. que me absolva, com a mesma leniência concedida recentemente a grandes brasileiros como Waldemar da Costa Neto, Paulo Rocha, José Janene e tantos outros... Agora, se V. Exª. se decidir por minha condenação, peço-lhe um único favor, humildemente: condene-me a serviços comunitários, como faxineiro da Câmara dos Deputados, e garanto a V. Exª. que varrerei a sujeira dos tapetes verdes, lustrarei bronzes e mármores com o mesmo zelo e empenho que tenho tido, nos últimos 15 anos, usando apenas as vassouras da ironia e as farpas do escovão.

Atenciosamente.

(*) Artigo originalmente publicado no jornal O Sul.

Arnaldo Jabor.
*Jornalista e cineasta

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