Recordista em fugas, com instalações e segurança inadequadas, o semi-aberto deveria ser extinto. É a opinião do juiz Afif Jorge Simões Neto, um dos dois magistrados da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre.
Para Afif, que controla o cumprimento de pena de seis mil criminosos no Estado, as prisões funcionariam melhor com apenas dois regimes: o fechado, com regras mais rigorosas para progressão, e o aberto, que exige trabalho dos presos. "Meu objetivo é abrir a discussão. Não tenho competência para modificar a lei", diz Afif.
Com experiência em atividades distintas à execução penal, o juiz consolidou sua opinião ao conhecer a Colônia Penal Agrícola (CPA) de Charqueadas, em novembro.
A CPA tem 214 presos (a capacidade é 244), cumprindo pena em uma área de 500 hectares de campo, onde deveriam trabalhar para abastecer com alimentos as demais cadeias. Na prática, metade pega na enxada, e a produção agrícola é insignificante. Além disso, está interditada judicialmente - é proibido o ingresso de novos presos - por causa da precariedade das instalações.
Alterações no sistema de cumprimento de penas estão em debate há anos em Brasília. No Congresso, por exemplo, tramita desde 2000 um projeto para eliminar o regime aberto. Para que isso ocorra, é preciso modificar o Código Penal e a Lei de Execuções Penais.
Especialistas concordam com mudanças, mas diferentes das defendidas pelo juiz. O advogado e professor universitário Alexandre Wunderlich apóia um regime penal único. "Caminhamos em busca de penas de curta duração, para casos de violência contra a pessoa, nos quais o apenado tem ciência, desde o início da pena, do dia que ela irá terminar", argumenta Wunderlich, coordenador do Departamento de Ciências Penais da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS).
O promotor de Justiça Airton Michels, que comandou a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) entre 1999 e 2002, concorda com Wunderlich. "A ressocialização é um mito. É um sonho malpensado. Se as pessoas soltas têm as mesmas condutas, por que dentro da cadeia elas vão melhorar?", observa Michels, integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, organismo ligado ao Ministério da Justiça.
Michels lembra que, em estados como São Paulo e Minas Gerais, na prática, o aberto não existe. Por falta de vagas, os presos vão para casa, cumprir o final da pena em prisão domiciliar.
Jair Krischke, conselheiro do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, entende que deveria ser exigido do Estado o cumprimento da Lei de Execuções Penais (LEP). "A Justiça deve-se voltar contra o faltoso. Os presos fogem porque o Estado é omisso", afirma Krischke.
A Susepe reconhece as deficiências da CPA. Se depender da vontade do superintendente, Bruno Trindade, a colônia deverá ser vendida ainda este ano, e o dinheiro aplicado em novas prisões do semi-aberto na Região Metropolitana.
Os regimes
Fechado - A execução da pena é em estabelecimento de segurança máxima ou média. O preso pode trabalhar na prisão.
Semi-aberto - O cumprimento da pena é em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. O preso deve ter atividade interna, mas também há o direito de trabalho externo.
Aberto - O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga.
Fugas em 2007
Fechado 83
Semi-aberto 4.361
Aberto 1.537.
Confira a entrevista com o juiz Afif Jorge Simões Neto, juiz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre
Afif Simões Neto, 48 anos, advogou durante oito anos em São Sepé, sua cidade natal, antes de ingressar no Judiciário, em 1984. Com passagens por varas cíveis e de família de Rosário do Sul e de Pelotas, e pela Corregedoria, Afif chegou em setembro ao 2º Juizado da Vara de Execuções Criminais da Capital, impondo um estilo menos liberal. Diferentemente de colegas, ele entende que é preciso rigor para a concessão da progressão de regime e defende o fim do semi-aberto. Abaixo trecho da entrevista em seu gabinete:
Por que o senhor quer o fim do semi-aberto?
Afif Jorge Simões Neto - Até as pedrinhas da calçada já sabem que o semi-aberto é inócuo. E, se é assim, por que mantê-lo? Do jeito que estão, o aberto e o semi-aberto se confundem muito, são iguais. Então, extingue-se um deles.
Como o senhor define o semi-aberto?
Afif - Um celeiro de assaltantes. Os crimes com violência ocorridos na Capital são praticados por fugitivos do semi-aberto. São 3,2 mil foragidos só no complexo Porto Alegre/Charqueadas.
Qual a sua impressão ao visitar a CPA?
Afif - Me horrorizei. Os alojamentos se assemelham a um campo de concentração nazista. Não estão recuperando ninguém.
O que mais o revoltou?
Afif - Fiquei indignado que a comida que vai para a CPA sai do nosso bolso. Uns 10% do que os presos consomem de legumes, frutas e verduras são produzidos lá. É um latifúndio improdutivo. O máximo que tem lá é uma hortinha de temperinho verde. E laranjas, que já estavam lá. Mandar para lá alface, tomate, cebola, frutas, com uma área que existe lá? A sociedade tem de saber que está pagando legumes e verduras para apenados com terra para trabalhar e que não trabalham. Quando não estão dormindo, estão escutando música.
O governo já anunciou que pretende fechar a CPA...
Afif - Poderia terceirizar para quem saiba plantar. E a parte da colheita destinada ao Estado deveria ser distribuída aos presídios.
Do fechado, o preso deveria ir para o aberto ao completar um sexto da pena?
Afif - Mas para isso tem de preencher totalmente os objetivos, o cumprimento do percentual do tempo de condenação e, principalmente, tem de ser aprovado em um exame subjetivo, o criminológico.
O exame não é mais obrigatório. Ele é necessário?
Afif - Sim. Para autores de crimes hediondos, para os praticados com violência ou grave ameaça e para os condenados acima de oito anos. Há presos sem condições de ir para um regime mais brando sem que se faça um exame psicológico. E a lei deixou isso em aberto, fica a critério do juiz.
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Fontes: Zero Hora e Susepe