Projeto prevê punição para empresas que descumpram habitualmente o Código de Defesa do Consumidor
02.08.07 | Consumidor
O senador Renato Casagrande (PSB-ES) apresentou projeto de lei que inclui no Código Civil (Lei nº 10.406/02) a previsão das funções compensatória, preventiva e punitiva da indenização.
O objetivo é diminuir a atuação de empresas que se utilizam da possibilidade de descumprir a legislação para posteriormente fazer acordos em juízo de valores indenizatórios aos consumidores como estratégia de mercado.
A proposta (PLS nº 413/07) tramita em caráter de decisão terminativa, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
De acordo com o parlamentar, a principal reclamação levada aos juizados é relativa à relação de consumo. Enquadram-se nesse tipo de matéria, 37,2% dos processos analisados.
Segundo o senador, em alguns Estados, essa proporção atinge níveis bastante superiores, como em São Paulo, onde 50,8% dos processos são oriundos de relações de consumo, e no Rio de Janeiro, onde o percentual sobe para 79%.
ÍNTEGRA DO PROJETO
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 413, DE 2007
Acrescenta parágrafo ao art. 944 da Lei nº 10.406, de 2002, para incluir a previsão das funções compensatória, preventiva e punitiva da indenização.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º O Art. 944, da Lei nº. 10.406, de 2002, passa a vigorar acrescido do parágrafo segundo, renumerando-se o atual parágrafo único para parágrafo primeiro, nos seguintes termos:
"Art. 944. ....................................................................
§1º Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.
§ 2º A indenização atenderá as funções compensatória, preventiva e punitiva." (NR)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificação
Embora a jurisprudência e a doutrina pátrias reconheçam as diferentes dimensões funcionais da indenização, convém explicitá-las, mormente no que tange à possibilidade de aplicação da indenização na sua dimensão punitiva.
A jurisprudência pátria acolhe, como dito, a função punitiva da indenização, o que demonstra que não há, na iniciativa legislativa, nenhuma novidade que exacerbe a inteligência corrente do ordenamento jurídico. (REsp 183508 / RJ ; Resp 1998/0055614-1 - Sálvio Teixeira - DJ 10.06.2002 p. 212; Resp 575023/RS 2003 - Eliana Calmon; Resp 389879/MG 2001 - Sávio Teixeira; TJDF Ap. Civ. 2002 01 025244-6 5ª T. Cível Julgado em 17/05/2004; TJDF Ap. Cív. 2002 015000925-1 3ª. T. Cível Julgado em 06/05/2002.)
Merece transcrição acórdão de relatoria da Ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 2005, Resp 696850/RO: "o valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano visando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir" (grifo nosso).
No campo doutrinário, um exemplo que merece transcrição é a lição de Maria Helena Diniz:
"Não se pode negar a sua função [da reparação pecuniária do dano moral]: a) penal ou punitiva, constituindo uma sanção imposta ao ofensor, visando a diminuição de seu patrimônio, pela indenização paga ao ofendido, visto que o bem jurídico da pessoa - integridade física, moral e intelectual - não poderá ser violado impunemente, subtraindo-se o seu ofensor às conseqüências de seu ato por não serem reparáveis; e b) satisfatória ou compensatória, pois, como o dano moral constitui um menoscabo a interesses jurídicos extrapatrimoniais, provocando sentimentos que não têm preço, a reparação pecuniária visa proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada." (O problema da liquidação do dano moral e dos critérios para a fixação do "quantum" indenizatório in Atualidades Jurídicas, 2, Maria Helena Diniz (coordenadora), São Paulo : Saraiva, 2000, p. 248, sem grifos).
A clarificação legal da hipótese de função indenizatória punitiva é desejável na perspectiva da segurança jurídica, permitindo previsibilidade semântico-textual da norma.
O foco da finalidade punitiva da reparação do dano moral é a pessoa do ofensor, ou seja, é o mecanismo de resposta do sistema jurídico voltado à sanção do agente causador do ato ilícito, e não mais a preocupação com a pessoa da vítima, que por seu lado tem a indenização com finalidade compensatória.
A Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça publicou estudo sobre os Juizados Especiais Cíveis em âmbito nacional, no qual se verifica que 94% dos usuários dos Juizados são pessoas físicas. (disponível em [http://www.mj.gov.br/reforma/pdf/publicacoes/Diagnóstico%20dos%20Juizados%20Especiais.pdf] em 16/05/07)
A principal reclamação levada aos juizados é relativa à relação de consumo. Enquadram-se neste tipo de matéria 37,2% dos processos analisados. Em alguns estados essa proporção atinge níveis bastante superiores. Em três capitais, por exemplo, tais índices atingem mais de cinqüenta por cento. No Rio de Janeiro há 79 % de lides oriundas de relações de consumo, em São Paulo 50,8% e em Belo Horizonte 55,3%. As empresas concessionárias de serviços públicos e as instituições financeiras aparecem como as principais reclamadas em todas as pesquisas sobre os Juizados Especiais.
As empresas reclamadas são, em grande medida, as conhecidas litigantes habituais. São empresas que, sustenta a doutrina jurídica, se utilizam da possibilidade de descumprir a legislação e posteriormente fazer acordos em juízo para o pagamento de valores indenizatórios aos consumidores como estratégia de mercado (André Gustavo Corrêa de Andrade - Indenização punitiva. Revista da ABPI, n. 85, p. 55-69, nov/dez 2006. Diogo Leandro Machado de Melo - Ainda sobre a função punitiva da reparação por danos morais: e a destinação de parte da indenização para entidades de fins sociais - art. 883, parágrafo único do Código Civil. Revista de direito privado, n. 26, p. 105-145, abr/jun. 2006. Vitor Fernandes Gonçalves - A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília: Brasília Jurídica, 2005).
As empresas atuam, assim, na perspectiva do cumprimento das determinações legais se esta medida lhes for economicamente conveniente. A lei é tratada por tais empresas como mais um componente de custo e de risco em suas estratégias de marketing. Assim, se for lucrativo, segundo a lógica do custo x benefício, descumprir a legislação de defesa do consumidor, ou a legislação trabalhista, por exemplo, essas empresas não titubearão em assim agir. Faz-se necessário, portanto, prover os julgadores de um instrumento conceitual positivado que permita, com segurança, determinar o quantum indenizatório que realmente dissuada aqueles que lesam, por meio de reiterados descumprimentos de determinação legal, habitualmente os indivíduos e a coletividade.
O fenômeno dos litigantes habituais é exemplarmente descrito na doutrina jurídica em obra clássica de Cappelletti & Garth sobre o tema. Os autores indicam que na concepção revolucionária do acesso à justiça, a atenção do processualista se amplia para uma visão tridimensional do direito. Sob essa nova perspectiva, o direito não é encarado apenas do ponto de vista dos seus produtores e do seu produto (as normas gerais e especiais), mas é encarado principalmente, pelo ângulo dos consumidores do direito e da justiça, enfim, sob o ponto de vista dos serviços processuais. (Mauro Capelletti & Bryant Garth - Acesso à justiça. Porto Alegre: Safe Editora, 2002)
Há, no ordenamento pátrio, normas cíveis de caráter punitivo, o que elide qualquer dúvida quando ao cabimento desta tipologia regulatória. São exemplos os artigos 608, 773, 939 a 941, 953, 954, 1336, parágrafos primeiro e segundo do Código Civil e artigos 42, parágrafo único e 84, parágrafo 4º do Código de Defesa do Consumidor.
Por estes motivos, apresento a presente proposta legislativa esperando contar com o apoio dos nobres pares para a sua aprovação.
Sala da Sessões,
Senador Renato Casagrande