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Publicado em 24.05.07

O estado policial não morreu - Artigo de Cezar Britto


Por Cezar Britto,
presidente da OAB nacional.

Londres. Inglaterra. Policiais da Scotland Yard desfilam, garbosamente, nas revistas políticas e sociais mundo afora. O combate ao terror, manchete dos noticiários, justifica a promoção, sacrifício e recursos investidos. O direito de matar, combalido no passado, volta a ser amplamente defendido pela comunidade. O assassinato do eletricista brasileiro Jean Charles de Menezes, morto com oito tiros na estação de Stockwell, sequer é lamentado.

Os londrinos, satisfeitos com o seu eficiente comando policial, não sentem qualquer compaixão quando um novo assassinato é anunciado. Ao contrário, o elogio e a absolvição logo são publicados. A mensagem inglesa é clara: o Estado Policial é menos prejudicial do que o Estado de Terror.

Estados Unidos da América. Escolhe-se qualquer país mundo. Militares e policiais são escalados como modernos embaixadores da mais poderosa nação do planeta. A expansão da Democracia, carro-blindado dos "novos tempos", é a justificativa oficial de cada guerra, invasão ou prisão revelados.

O princípio da autodeterminação dos povos, o maior sonho da modernidade, é violentamente despertado pela arrogância do pensamento fundamentalista do presidente estadunidense. Genocídio autorizado, prisão clandestina de propriedade assumida, tortura protegida judicialmente, permissão para matar fixada em lei e muros que dividem pessoas e pensamentos são edificados para que estabeleça a "nova ordem mundial". O recado é bem nítido e forte: o Estado Policial é a forma mais aceitável do Estado Democrático de Direito.

Brasil. Escolhe-se a unidade federativa. Policiais federais são transformados em principais mocinhos do mundo real. O combate ao crime, razão primeira da atividade policial, é peça coadjuvante diante da desmedida busca pelo sucesso promocional. O princípio da inocência, antiga querência democrática, se faz bandido nas câmaras fotográficas e antenas de televisão. Condenações morais públicas antes mesmo da instauração do processo judicial, advogados são impedidos de trabalhar, indícios travestidos em verdades absolutas, algemas apresentadas como indumentárias normais, determinações judiciais ridicularizadas se desmentem as informações "sigilosamente" produzidas.

Os brasileiros, assustados uns e admirados outros, percebem o renascimento da violência com argumento "juridicamente aceitável". A pretensão não poderia ser mais manifesta: o Estado Policial é a melhor forma de combater o Estado Marginal.

O livre-matar inglês, o pensamento bushiano e as ações ruidosas da polícia brasileira, representam a ponta do iceberg de um mundo que pretende ressuscitar o Estado Policial. Ele está presente nos assassinatos israelenses, na ditadura capitalista chinesa, na corrida armamentista norte-coreana, nos genocídios africanos, no fundamentalismo iraniano e centenas de outros países. Também está presente em várias ações do cotidiano comum das pessoas, milhares delas aplaudidas e defendidas, a exemplo das milhares de câmaras que espionam e filmam o nosso andar, fazendo do cidadão um personagem ativo do Big Brother, do grande irmão Estado Policial.

O Estado Policial diariamente nasce, cresce e se multiplica. Nasce todas a vezes em que a violência é utilizada como argumento aceito e substituto do Estado Democrático de Direito. Cresce quando é receitado para as mais diversas situações e hipóteses, mesmo quando a paz social implora ser percebida. Multiplica-se quando a omissão campeia livre no seio da humanidade. O Estado Policial vive porque encontra adeptos entusiasmados, omissos confessos e cidadãos não-solidários.

E quando o Estado Policial se torna vencedor, morre a esperança, assassina-se a luta pela dignidade do ser humano. Quando a polícia se torna a única forma de garantir o desenvolvimento social de uma nação, abandona-se qualquer política de acesso à terra, o fortalecimento das organizações e movimentos sociais, o direito à educação, a proteção aos recursos naturais, a democratização dos meios de comunicação, a garantia de um trabalho digno, o combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas, a defesa de uma seguridade social, a manutenção de sistema prisional humano e eficaz, o fortalecimento da ONU, o combate ao preconceito, os direitos das mulheres, crianças e adolescentes, a universalidade do acesso à saúde, a defesa da cultura.

O Estado Policial, definitivamente, não é bom para a democracia, é péssimo para o Brasil.

(*) E.mail: [email protected]