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Publicado em 16.05.07

A vigilância eletrônica - Artigo de José Carlos Teixeira Giorgis


Por José Carlos Teixeira Giorgis,
desembargador aposentado do TJRS. 
 
A existência livre constitui predicado da vida de relação; e o respeito à esfera privada do homem assegura a inviolabilidade de seu retiro e paz interior, que não podem ser afetados por publicidade indevida.

Todavia, de todos os direitos consagrados nenhum sofre mais incursões que o da intimidade; as celebridades são surpreendidas em seus instantes de recato; os políticos espionados em seus lazeres; os atletas, quando vão às compras; os transeuntes ao percorrer avenidas; os visitantes, nos elevadores.

Como a doutrina jurídica acertou que as garantias constitucionais são relativas e se submetem à ponderação com outros valores, não causa espécie que a opinião pública fique indiferente ao avanço de iniciativas que minam a arquitetura da individualidade.

É que a pauta midiática clama contra a violência, é preciso vencer a criminalidade para obstar sua irrefreável ascensão.

As reincidências cometidas por detentos do regime semi-aberto ou em liberdade condicional e a superlotação carcerária consolidam uma agenda de providências para fiscalização dos delinqüentes fora das grades, com o incentivo da prisão domiciliar; ou utilização de tecnologia com objetos de controle a distância.

A vigilância eletrônica foi idealizada a partir das histórias em quadrinhos, e implantada na maioria dos estados americanos em criminosos de todas as idades, viciados em drogas e agentes de delitos de trânsito; e logo se disseminou para muitos países, embora em diferentes dimensões, ou para prisões curtas.

Consiste em bracelete, ou anel no tornozelo, que emite um sinal, recolhido por linha telefônica num centro de vigilância onde o preso é monitorado em seus movimentos e localização. 

Apontam-se, como vantagens, o combate ao crime e ao abarrotamento prisional; a diminuta lesão à privacidade, pois a pulseira se assemelha a um relógio ou tem tamanho de uma moeda; a redução das recidivas criminais; e o proveito para a economia pública, pois enquanto o custo diário de um preso achega-se à metade de um salário mínimo, a despesa com a peça não atinge cinqüenta reais por dia.

No passado se empregou a mutilação ou o ferro em brasa para a identificação dos marginais; e já se cogita a implantação de câmeras nestas algemas; ou mesmo a introdução cirúrgica desses dispositivos no organismo, capazes de filmar o cotidiano da pessoa.  

Em trincheira oposta, alinham-se os que entendem a medida como invasão da privacidade e afronta à intangibilidade corporal, pela ilegítima intervenção física; a sacralidade do domicílio virado em extensão da cadeia; a debilitação das regras da protetoras da intimidade; a expansão do poder punitivo e a ilusão da segurança com o sacrifício das liberdades coletivas; a proliferação de procedimentos invasivos, como interceptações, escutas, filmagens e gravações, verdadeiros holocaustos da reserva pessoal.     

Embretados pelo paroxismo retórico e pela sofreguidão legislativa, há pouco os congressistas acabam de assentir com o projeto que recomenda a vigilância eletrônica, e que irá à discussão plenária.

A omissão ou leniência das pessoas em aceitar os agravos que se cometem com os alicerces dos direitos humanos, enfraquecem os devaneios dos constituintes que sonharam editar um estatuto de fianças que valesse como normas de eternidade; e sufocam as promessas de consideração a quem, embora corrompido pela conduta desairosa, ainda se mantém no gênero humano.    

Por isso, a cada cidadão tocará agora aplaudir a homilia do controle e da repressão; ou execrar a ablação da dignidade da pessoa.
                                                          
(*) E-mail: [email protected]             

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Durante esta semana o Espaço Vital seguirá publicando novos artigos inéditos de José Carlos Teixeira Giorgis.

Amanhã (17) - Os dramas familiares e o estresse

Sexta (18) - O eucalipto sedento