Schering condenada a indenizar consumidora por falta de uma pílula na cartela do anticoncepcional “Diane 35


07.05.07 | Consumidor

A 3ª Turma do STJ manteve, na última quinta-feira (03) a condenação da Schering do Brasil Química e Farmacêutica Ltda. pelos danos morais causados a uma consumidora, que fez uso do medicamento defeituoso (cartela contendo apenas 20 dos 21 comprimidos "Diane 35" necessários à eficácia do tratamento), o que resultou em sua gravidez.

Em razão de tais acontecimentos, a ação da gestante pediu na Justiça o ressarcimento das despesas médicas com a gravidez, o pagamento de plano de saúde, a constituição de enxoval e custos de alimentação da criança, além de compensação pelos danos morais, no valor de 500 salários mínimos, à mãe e ao bebê. Em momento posterior, a consumidora informou o falecimento de seu filho, ocorrido durante o parto.

Sentença da Justiça paulista negou os pedidos da consumidora, que, por sua vez, recorreu ao TJ-SP. Este acolheu, em parte, a pretensão, para condenar a Schering a compensar a consumidora por danos morais, no valor de R$ 60.000,00.

A Schering recorreu ao STJ, pedindo o afastamento de sua condenação por danos morais, ou então, a redução do valor fixado. Afirmou, para tanto, que não há prova de sua responsabilidade pelo evento danoso.

Disse mais: "como nenhum anticoncepcional garante 100% de eficácia, se a consumidora não desejava realmente engravidar, deveria ter associado o uso do Diane 35 a um outro método contraceptivo, ou mesmo ter se privado de práticas sexuais".

A ministra Nancy Andrighi asseverou, em seu voto, que trata o processo de questão especificamente relacionada às conseqüências de uma falha na produção do anticoncepcional, isto é, a consumidora alega ter engravidado em face de fornecimento de produto defeituoso, fato esse confessado pela Schering, de que cartelas do "Diane 35" com um comprimido a menos atingiram consumidoras.

Salientou a relatora ser fundamental ressaltar a influência do princípio relativo à proteção ao consumidor. Tal  porque, embora inegavelmente impossível à Schering provar que a consumidora não teve acesso ao contraceptivo defeituoso, é também uma postura desajustada à realidade esperar que esta guarde todas as notas fiscais e caixas de produtos que adquire na eventualidade de algum deles apresentar falhas, ainda mais quando trata-se de pessoa humilde e que tem uma relação de confiança com a marca, confiança esta nutrida inclusive pela maciça publicidade televisiva veiculada com a atuação de estrelas conhecidas.

A ministra Nancy Andrighi também destacou que "a Schering não rebateu um dos fundamentos contidos no acórdão proferido pelo Tribunal Estadual: o de que a falta de uma drágea na cartela de pílulas anticoncepcionais aumenta consideravelmente a falibilidade do produto".

Os ministros Castro Filho e Ari Pargendler concordaram com a Ministra Nancy Andrighi. Votaram vencidos os Ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Humberto Gomes de Barros. (Resp nº 918.257).

Outros fundamentos do voto da relatora

1. A posição defendida pela Schering pressupõe que se despreze totalmente uma prova bastante evidente de que a consumidora fazia uso regular do produto, que é o receituário médico prescrevendo a utilização do Diane 35, para que, em seu lugar, se construa uma presunção de que a consumidora demanda de má-fé, porque a única conclusão possível, então, é a de que ela teria proposto a ação para, aproveitando-se daquele receituário e de uma situação pública de defeito no produto, fazer-se passar por vítima de evento sem sê-lo.

2. A questão controvertida não é dizer se a empresa agiu ou não com culpa em relação à fabricação do produto, mas se esta responde objetivamente pelos danos causados à consumidora, sendo irrelevante a origem da falha. Ora, afirmar que a falta de uma drágea na cartela estaria dentro dos níveis de qualidade aceitáveis já que a quantidade produzida (cerca de 65 milhões de cartelas ao ano) tornaria perfeitamente aceitável essa irregularidade, é o mesmo que afirmar a inexistência de previsão na Lei (Código de Defesa do Consumidor), para a responsabilização objetiva do fornecedor, e também, no caso concreto, a inexistência de sua responsabilidade subjetiva por ausência de culpa, sendo ambas as conclusões inaceitáveis.

3. Quanto à existência de danos morais e ao valor compensatório fixado, alega a Schering que ter um filho jamais pode ser causa de sofrimento, esquecendo-se de que o produto por ela fabricado é um anticoncepcional, cuja única utilidade é a de evitar uma gravidez. Portanto, a mulher que toma tal medicamento tem a intenção de utilizá-lo como meio a possibilitar sua escolha quanto ao momento de ter filhos, notadamente, no caso, diante da falta de condições financeiras da consumidora de arcar com as despesas de mais um filho. Some-se ainda o infeliz fato de que a criança veio a falecer no parto, ocorrência conhecida pela Schering que, ainda assim, utilizou referido argumento, em desprezo à dignidade da pessoa humana, constituindo, em si, uma nova ofensa aos sentimentos da mãe da criança, cujo falecimento é causa indiscutível de dor.

4. No tocante ao valor fixado, apenas seria causa de modificação se este destoasse largamente daqueles adotados em outros julgados ou se revelasse irrisório ou exagerado, o que não ocorreu na hipótese, porquanto deve a compensação pelos danos morais assegurar ao lesado a justa reparação pelos danos sofridos, sem, no entanto, incorrer em seu enriquecimento sem causa.
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Fonte: Gabinete da ministra Nancy Andrighi