A contadora de causos - Pauzinho


10.04.07 |

Por Ingrid Birnfeld,
advogada

 
O motivo da briga havia sido a insatisfação do cliente com a qualidade do produto. O agricultor tinha encomendado ao carpinteiro o feitio de um cabo de foice e, ao retirar a encomenda, se recusou a pagá-la, ao argumento de que a madeira utilizada era inadequada e porque o cabo estava torto.
 
Homem de difícil trato, o carpinteiro raramente aceitava críticas aos seus trabalhos. Já era conhecido na região pelo seu espírito bronco, e com o agricultor não foi diferente. Não teve dúvida: protegido pelo balcão, passou a lhe bradar ofensas, dizendo que espalharia na cidade a fama de fintador e que, sem o pagamento, não lhe devolveria o instrumento de trabalho. 
 
Foi então que, indignado, o agricultor tomou a foice das mãos do carpinteiro e, jogando-se sobre o móvel, tentou atingi-lo. Sem sucesso, porque o artífice rapidamente pegou uma roliça perna de um banco que estava em conserto e com ela espancou o cliente, respondendo à tentativa de ataque.    
 
Como resultado, um homem muito ferido, e outro denunciado por lesões corporais graves. Em seu favor, o carpinteiro tinha o fato de ter sido atacado em seu próprio local de trabalho, o que lhe possibilitou sustentar a tese de ter agido em legítima defesa.
 
Dois dias antes da audiência de instrução, o advogado do réu, jovem e iniciante na área penal, resolveu chamar, em seu escritório, a única testemunha ocular da briga. Estava ansioso com a produção da prova e temia que o homem, por ser bastante humilde, se atrapalhasse ao depor, comprometendo a tese da defesa. Orientou-lhe no sentido de não responder o que não entendesse e, sobretudo, lhe pediu para não chamar muito a atenção para o tamanho do pé de madeira utilizado na contenda. 
 
- Não diga ao juiz que era grande - determinou.
 
Não adiantou. O homem afirmou ter presenciado o fato e confirmou que o réu apenas teria revidado as agressões, mas, perguntado sobre as dimensões do instrumento, quase colocou em risco a credibilidade do seu depoimento e meteu o pau na própria defesa, não fosse, o juiz, pessoa generosa e capaz de compreender, quando do julgamento, as naturais limitações e intenções dos depoimentos testemunhais:    
 
- Era um tiquinho assim, ó – respondeu, compondo um paralelo de poucos centímetros com as palmas das mãos, olhos inquietos a procurar o advogado do réu.