Poupança para os banqueiros - Artigo de João Baptista Herkenhoff


09.04.07 |

Por João Baptista Herkenhoff,
Livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo.

Noticia a imprensa que dois trilhões de reais estão aguardando, nos bancos, o resgate de depositantes em cadernetas de poupança.

Esse dinheiro foi usurpado dos poupadores através de artimanhas contábeis do chamado “Plano Bresser”, concebido pelo banqueiro Bresser Pereira.
 
Depois de longa espera, os cidadãos prejudicados poderão ser ressarcidos do prejuízo. Mas o prazo para ingressar na Justiça, pedindo a reparação do dano, termina em 31 de maio próximo.
 
Milhares de brasileiros têm direito ao ressarcimento do golpe de que foram vítimas. A imensa maioria dos lesados é constituída de pequenos poupadores: operários, donas de casa, viúvas, crianças cujos pais depositavam nas contas um dinheirinho para que o filho recebesse o valor acumulado quando se tornasse adulto.
 
O prazo para o poupador procurar a Justiça, a fim de pleitear o dinheiro que lhe cabe, é fatal. Como sou jurista tenho de usar a expressão “dinheiro que lhe cabe”, para me referir a essa quantia a crédito do poupador.

Não posso escrever “dinheiro que lhe foi roubado”. Porque roubo, para o jurista, é um crime definido pelo Código Penal, em termos rígidos. Exige grave ameaça ou violência contra a pessoa ofendida.  O homem comum, que não está obrigado ao linguajar do jurista, pode chamar isso de roubo, sim.
 
Pois bem. Para onde irá o dinheiro que não for reclamado pelos poupadores, no prazo determinado?
 
Por alguns momentos, reconheço-lhe, caro leitor, o direito de dar vazas à sua inteligência e imaginar para onde irá esse dinheiro que você, que não é jurista, acha que foi roubado do poupador.  Ora, ora, adivinhei seu pensamento. Você acha que irá para o Tesouro Nacional. Seu raciocínio é bom!
 
Ah, sim, você, que está sempre preocupado com os problemas sociais, imagina que esse dinheiro será aplicado em programas em favor de crianças e adolescentes, para evitar que se extraviem nas sendas do crime.  Muito bem, professora. Seu palpite é também digno de elogios. Você está a pensar que esse dinheiro será empregado na educação.
 
E, finalmente, você, meu amigo, porteiro do edifício onde moro, você que é muitíssimo arguto na capacidade de pensar, embora não tenha concluído o curso primário. Você acha que o dinheiro será empregado no saneamento, pois o bairro onde você mora não tem rede de esgotos.
 
Infelizmente, todos vocês estão equivocados. O dinheiro que não for reclamado pelos poupadores irá para o bolso dos banqueiros. Exatamente isso! Neste país que, em algumas situações, parece obra de ficção macabra, o dinheiro do povo humilde vai escoar nas gordas contas dos banqueiros.
 
Acho que nunca vou escrever um romance. Meu estilo não é adequado a esse atraente gênero literário. Mas se algum dia viesse a escrever um romance, o bandido desse romance seria um banqueiro.
 
(*) E.mail: [email protected]