Aviltamento da Advocacia - Artigo de José Alberto Dietrich Filho
03.04.07 |
Por José Alberto Dietrich Filho,
advogado em Cascavel-PR (OAB/PR nº 8.585)
A situação aflitiva da sociedade em relação à notória morosidade do Poder Judiciário está fazendo com que sejam editadas leis e normas de variados calibres cujo resultado final poderá ser o completo aviltamento da profissão do advogado, como se fosse ele o responsável pelo verdadeiro engessamento atual da justiça, que não consegue se achar no oceano da burocracia forense herdada de Portugal e hoje incorporada ao DNA do nosso Judiciário.
Os juízes, em sua maioria abnegados servidores públicos e com qualificação profissional e cultura jurídica a cada dia melhores, demonstram preocupante acomodação e consolo com a máquina enferrujada de que dispõem, porque muito pouco podem fazer para melhorá-la - e nem é essa exatamente a sua tarefa.
Como resposta ao verdadeiro clamor social por um Judiciário mais eficiente – que é uma exigência prevista no Art. 37 da Constituição Federal – o Congresso Nacional, sintonizado com a cúpula do Judiciário, aprovou rapidamente a lei que permite que sejam feitos inventários e separações conjugais em qualquer tabelionato. Terceirizaram atos solenes que no mundo civilizado são, via de regra, conduzidos por magistrados.
Recentemente o mesmo Congresso promoveu alterações positivas no Código de Processo Civil, louvando-se em pré-projeto preparado por membros da mesma cúpula judiciária, com auxílio de alguns assessores do Senado e da Câmara, mas aproveitou para transferir para os advogados algumas responsabilidades que sempre foram – porque devem ser – da própria máquina judiciária.
O exemplo mais eloqüente disso é a intimação pessoal do advogado para que seja cumprida a sentença proferida no processo de conhecimento em que o seu cliente não obteve êxito, sob pena de execução acrescida de multa e outros encargos financeiros que não seriam devidos na hipótese de cumprimento espontâneo da sentença. A rigor, para este especialíssimo efeito processual quem deve ser intimada é a parte – autor ou réu - e não o seu procurador.
Mas a lei processual diz agora que essa responsabilidade é do advogado, após ser intimado. Ganha o Judiciário em agilidade, mas perde o Direito.
Já haviam transferido ao advogado a responsabilidade pela chamada “formação do instrumento” nos casos de agravos, que nada mais é do que a tarefa braçal de extrair fotocópias dos autos (ou das peças principais) e anexá-las ao recurso.
Por enquanto o advogado não é ainda responsável pela autuação, mas já é responsável pela autenticidade das cópias, que deve atestar sob a fé do seu grau. Tem fé pública restrita aos autos, mas está claro que o objetivo foi o de desafogar o Judiciário e simplificar alguns procedimentos à custa da transferência de funções burocráticas para o advogado.
As súmulas vinculantes também estão chegando e dentro de poucos dias teremos as primeiras que estão na iminência de ser editadas pelo STF, que limitam enormemente o acesso àquela Corte. É evidente que o Supremo está congestionado, mas a causa primária disso é a própria Constituição Federal de 1988, que desceu às minúcias da vida do cotidiano brasileiro no afã de passar a se chamar Constituição Cidadã, como bradou Ulisses Guimarães no dia da sua promulgação.
Para desafogar o STF basta uma singela reforma constitucional, um enxugamento do texto da Constituição, que em certos aspectos mais parece um regimento interno de condomínio.
A maioria dos advogados mais antigos possui precedentes que guardam como relíquias da sua atuação profissional, que são os casos em que conseguem reverter, através de recurso extraordinário para o STF, a derrota de seus clientes nas instâncias ordinárias. Nada mais confortante para o advogado do que uma vitória dessas. Mas isso está em vias de acabar. Só subirão ao STF recursos em que fique bem demonstrado o que os nossos legisladores resolveram chamar de repercussão geral, neologismo que é um verdadeiro muro de proteção em torno da Suprema Corte.
Além disso, a interpretação do que seja um fundamento recursal que possua os requisitos da chamada repercussão geral possui evidente caráter subjetivo, apesar do aparente esforço de tentar deixar claro na lei o alcance e o significado jurídico da expressão.
O que se conclui desse quadro é que o Estado, o Poder Público brasileiro, não conseguindo encontrar uma solução real, eficaz e duradoura para o Judiciário e cansado de tropeçar nos seus próprios cadarços, resolveu transferir para os advogados algumas tarefas forenses e reduzir as hipóteses de cabimento de recursos. Retalhou o trabalho verdadeiramente profissional do advogado e está aumentando dia a dia as suas obrigações braçais, além de reduzir-lhe a quase nada as chances de chegar ao Supremo.
Resolveram fazer uma exegese oblíqua dos dispositivos legais que dizem que o advogado é indispensável à administração da justiça e que sua tarefa constitui múnus público. Enquanto isso, temos juízes fixando honorários de 200 reais para o advogado vitorioso contra a União em demanda de R$ 10 milhões. Os indícios mostram que estamos a caminho do aviltamento total da profissão do advogado e que portanto ele já não é tão indispensável à chamada administração da justiça conforme prevê o seu estatuto.
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