A arbitrariedade da penhora on-line - Artigo de Marcela Barrionuevo Roese


03.04.07 |

Por Marcela Barrionuevo Roese,
advogada (OAB/RS 65.387)
 
Acompanho diariamente as notícias do Espaço Vital e, assim como vários colegas que advogam para credores - que é o meu caso na maioria das vezes - vibrei com o advento da penhora on-line -, finalmente nosso processo de execução seria célere. No entanto, desde o início de fevereiro, estou do outro lado, defendendo uma devedora e, pela primeira vez, questionei quais as conseqüências que teríamos que enfrentar se a famosa penhora on-line começasse a ser deferida em qualquer caso, como primeira alternativa para adimplemento de uma dívida.

O devedor não paga e, simplesmente, bloqueiam-se todas as contas e ativos financeiros. Quais as conseqüências que uma medida extrema como essa podem causar a um devedor?
 
O processo no qual advogo está correndo perante o Juizado Especial Cível de um foro regional de São Paulo. A executada não residia mais no endereço para o qual foi remetida a carta AR de citação e algum desconhecido a recebeu, nascendo, assim, a presunção de que a ré havia sido regularmente citada (Enunciado Cível n.º 5, do Fórum Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais).

Por óbvio o processo correu à revelia e foi sentenciado. Fase seguinte: execução. Nova carta AR com intimação para pagar em 24h, pena de penhora, remetida para o mesmo endereço, recebida por outro desconhecido.
 
A executada, mãe de família, com uma menina de sete anos para sustentar, teve o valor da dívida exeqüenda bloqueado em todas as suas contas bancárias. Analisando o processo foi possível verificar inúmeras irregularidades, desde a nulidade da citação pois a carta AR foi remetida para endereço em que a ré comprovadamente não mais residia e, o que é pior, a penhora on-line foi deferida de ofício, pela juíza.

Peguei o CPC, a redação é clara, o bloqueio de ativos financeiros deve ser requerido pelo credor. Não foi isso que aconteceu. O AR de intimação para pagamento foi recebido por algum estranho, a dívida não foi paga e a juíza, imediatamente e sem ouvir o credor, mandou bloquear o valor das contas da ré.
 
Minha primeira medida: peticionei juntando inúmeros documentos para demonstrar a nulidade de citação, documentos como conta de telefone, carta de banco emitidos dois meses antes da distribuição da ação ordinária comprovando que a ré não mais residia no local para o qual foi remetida a carta de citação. Ofereci bens suficientes para cobrir o valor da dívida, a ré precisava do valor bloqueado para se sustentar e para sustentar sua filha.

A juíza mostrou-se irredutível afinal, o AR havia sido recebido, pouco importando se a ré residia ou não naquele endereço.
 
Segunda medida: mandado de segurança. Juntei inúmeros documentos comprovando a nulidade de citação, informando que tanto a impetrante quanto sua filha pequena precisavam daquele dinheiro para viver, pedi que fosse deferida liminar. O juiz da Turma Recursal entendeu que não se tratava de caso urgente e nem de dano de difícil reparação para ser concedida uma liminar. Ou seja, a ré permanece com o valor bloqueado até a decisão do mérito do mandado de segurança.
 
Agora, vou declinar qual o objeto da ação ordinária que motivou o bloqueio, de ofício, de todas as contas bancárias de uma mãe de família: um gato. Exatamente isso, autora e ré se desentenderam na compra de um gato persa e a autora, residente em São Paulo, sentiu-se lesada e ajuizou uma ação de indenização.
 
Friso que sou a maior defensora da penhora on-line para devedores contumazes, devedores de alimentos, devedores que utilizam todos os meios juridicamente possíveis para postergar o pagamento da dívida. O que me preocupa, no entanto, é a banalização da utilização deste instituto, que acabará por criar situações esdrúxulas como essa que estou tentando reverter em que uma mãe de família que não foi devidamente citada teve o valor referente a mais de um mês de salário bloqueado para o pagamento de uma dívida originada pela discussão sobre um negócio jurídico envolvendo um gato.
 
(*) E.mail: [email protected]