A Central de Agilização Processual do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) condenou o Estado a pagar R$ 30 mil a título de danos morais para a mãe de um homem morto em operação da Policial Militar de Pernambuco (PMPE), no ano de 2019. Imagens e vídeos publicados na internet e na imprensa mostraram o corpo do filho da autora da ação recebendo tratamento degradante ao ser jogado na caçamba de uma viatura e exibido publicamente de forma ostensiva em um comboio policial com sirenes ligadas. O ato foi considerado uma grave violação da dignidade póstuma na sentença assinada pela juíza de direito Maria do Rosário Arruda de Oliveira. O Estado ainda pode recorrer. O processo inicialmente tramitou na 1ª Vara Cível da Comarca de Serra Talhada.
Nos autos, a mãe alegou que a ação policial que resultou na morte de seu filho e de outras sete pessoas em 2 de julho de 2019 foi marcada por excessos e violações de direitos fundamentais. Nas imagens e vídeos gravados pelos próprios policiais militares envolvidos, os corpos das vítimas, incluindo o do filho da autora, foram parcialmente despidos e, em seguida, "jogados nas caçambas das viaturas, como se fossem troféus", sendo transportados de forma ostensiva e com as sirenes ligadas. As cenas foram amplamente divulgadas em redes sociais e na mídia, violando a honra, a imagem e a dignidade de seu filho e de sua família.
Devidamente citado no processo, o Estado de Pernambuco defendeu que a atuação policial se deu no estrito cumprimento do dever legal, em resposta a uma ação criminosa dos suspeitos, que teriam vitimado um agente policial. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE-PE) ainda sustentou a presunção de legalidade e legitimidade dos atos administrativos e a inexistência de provas que demonstrem a conduta ilícita ou excessiva dos policiais.
Na sentença, a magistrada esclareceu que o argumento estatal não se sustenta diante do acervo probatório presente nos autos. "A análise detida das gravações revela, de forma inequívoca, a veracidade das alegações autorais. É possível verificar, em diversas passagens, os corpos das vítimas sendo manuseados e transportados de forma aviltante. As mídias demonstram, com clareza solar, que os corpos foram despidos, encontrando-se nus ou parcialmente nus, e foram colocados na caçamba de uma viatura policial, empilhados e expostos publicamente", escreveu na decisão.
Para a juíza Maria do Rosário Arruda de Oliveira, a conduta dos agentes estatais ultrapassou manifestamente os limites do razoável e do estrito cumprimento do dever legal. "O respeito aos mortos é um imperativo de civilidade e um dever do Estado, encontrando amparo no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), que irradia seus efeitos mesmo após o fim da vida. A proteção à imagem e à honra (art. 5º, X, CF) estende-se à memória do falecido, conferindo aos seus familiares próximos, como a mãe, a legitimidade para pleitear a reparação por sua violação", destacou.
A responsabilidade objetiva do Estado e a obrigação de indenizar a mãe do homem morto foi reconhecida na decisão. "No caso concreto, a conduta dos agentes públicos de despir os corpos, transportá-los de forma inadequada e permitir a filmagem e divulgação dessas cenas configura um ato ilícito que gera o dever de indenizar. A exposição pública de um cadáver em tais condições, despido e amontoado em uma viatura, representa um grave atentado à dignidade póstuma e causa profundo sofrimento, angústia e humilhação aos familiares, que se veem obrigados a reviver a dor da perda de forma brutal e desrespeitosa. A gravidade dos atos foi de tal monta que mereceu ampla repercussão midiática e o veemente repúdio de órgãos de defesa dos Direitos Humanos, que publicamente condenaram a exposição dos corpos como uma afronta à dignidade e um espetáculo macabro, conforme fato público e notório, amplamente divulgado pela imprensa nacional", concluiu.
A magistrada também citou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). "O Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que os direitos da personalidade, embora intransmissíveis, projetam efeitos para além da morte, de modo que os familiares do de cujus possuem legitimidade para buscar a tutela de sua imagem e honra, observe-se: Súmula 642, STJ", fundamentou.
A ação da Polícia Militar de Pernambuco que resultou na morte de oito pessoas teve início no dia 1º de julho de 2019, quando um PM pernambucano foi baleado na cabeça por um grupo criminoso que tinha acabado de assaltar um mercadinho no município pernambucano de Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste. O bando foi localizado em um sítio no limite entre Barra de São Miguel e Riacho de Santo Antônio, ambos municípios paraibanos. De acordo com a PMPE, houve confronto, e a reação foi necessária por conta de os suspeitos terem atacado a força pública durante a ação. Também participaram da operação agentes policiais paraibanos.
Fonte: TJPE