Empregada que se recusou a realizar venda casada tem anulada dispensa por justa causa


31.08.23 | Trabalhista

Os julgadores da 1ª Turma do TRT3 (MG), por unanimidade, acolheram o recurso de uma trabalhadora para afastar a dispensa por justa causa que lhe foi aplicada pela empresa, por ela ter descumprido ordem de realizar venda casada. Para a desembargadora Maria Cecília Alves Pinto, que atuou como relatora, a recusa da empregada foi legítima e, dessa forma, não autoriza a dispensa por justa causa.

“Entendo que a recusa da autora de realizar uma venda casada, sem esclarecer a natureza do produto ao cliente, como determinado pelo líder, foi legítima e, por isso, não se presta para amparar a dispensa por justa causa”, destacou a desembargadora, que modificou sentença oriunda da 40ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que havia validado a justa causa.

A empresa, uma grande rede de lojas do ramo de vestuário, foi condenada a pagar à ex-empregada as parcelas rescisórias devidas pela dispensa injusta, entre elas, o aviso-prévio proporcional, 13º salário e férias proporcionais, FGTS + 40%, além da multa do artigo 477/CLT. Segundo o pontuado, a simples reversão da justa causa em juízo enseja a condenação ao pagamento da multa prevista no parágrafo 8º, do artigo 477, da CLT, nos termos da Súmula 36 do TRT3. A rede de lojas foi condenada de forma solidária junto com uma empresa de serviços financeiros, que incluem conta digital, cartões de crédito e seguros. Ambas as empresas formam um grupo econômico.

Entenda o caso

Ao dispensar a empregada por justa causa, a empregadora se baseou no artigo 482/CLT, alíneas "e" e "h", que se referem à desídia e à indisciplina/insubordinação.

Entretanto, a prova testemunhal demonstrou que o supervisor ordenou à empregada que vendesse um seguro para o cliente, embutindo o valor no produto, de forma “escondida”, realizando a denominada “venda casada”. A trabalhadora se negou a praticar o ato, ao argumento de que “não achava certo”. Ela disse ao supervisor que ofereceria o seguro ao cliente, mas que informaria a ele do que se tratava. O fato gerou discussões entre a empregada e o supervisor, culminando na dispensa por justa causa da trabalhadora.

Na comunicação da rescisão, constou o registro de outras faltas, que, inclusive, geraram a suspensão da trabalhadora. Mas, conforme observou a relatora, a falta que resultou na dispensa por justa causa da empregada foi descrita como ato de indisciplina, tendo sido apontado como a negativa da empregada em prestar o serviço e realizar as atividades. E, neste ponto, como ressaltou a relatora, a recusa da autora de realizar venda casada, sem esclarecer a natureza do produto ao cliente, como determinado pelo supervisor, era legítima, não servindo, dessa forma, para configurar ato de indisciplina e insubordinação, ou para fundamentar a dispensa por justa causa.

“A prova oral confirmou as alegações da autora de que a ré orientava seus vendedores a agir de forma ilícita, praticando venda casada, embutindo no preço dos produtos o valor de garantia estendida e demais serviços, sem o devido esclarecimento aos clientes. Tal prática excede os limites da boa-fé e afronta os preceitos constitucionais de valorização social do trabalho e da dignidade humana”, destacou a relatora.

A desembargadora ainda ponderou não ter havido prova de que a empregada, em razão da recusa da prática ilegal, tenha sido desrespeitosa com seu superior hierárquico. Segundo pontuou, a "discussão" foi no sentido de cumprir a ordem ou não de venda casada, tanto que a dispensa não se amparou na alínea "k" do artigo 482 da CLT, que dispõe sobre ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos.  Ao contrário, uma testemunha relatou que o superior hierárquico é quem teria se exaltado com a autora, na frente dos clientes.

“Nesse contexto, não se pode chancelar a aplicação da penalidade máxima da justa causa à trabalhadora. Por conseguinte, a reversão da justa causa para dispensa imotivada é medida que se impõe”, concluiu a desembargadora.

Danos morais

Constou ainda da decisão que a conduta da empresa, de orientar a empregada a agir de forma ilícita, com a prática de venda casada, configurou assédio moral e abuso do poder diretivo do empregador. Diante disso, a empresa também foi condenada, de forma solidária, a pagar à ex-empregada indenização por danos morais, fixada no valor de R$ 8 mil. O processo foi remetido ao TST para análise do recurso de revista.

Fonte: TRT3