Doméstica inválida acusada de furtar óculos usados não responderá a processo


04.06.14 | Diversos

Para o relator, a conduta é minimamente ofensiva, além de se tratar de acusada primária e de bons antecedentes.

Uma empregada doméstica inválida, acusada de furtar um par de óculos usado esquecido no balcão de uma lotérica, foi impedida de seguir respondendo por furto. Primária e sem antecedentes, ela devolveu os óculos e confessou tê-los guardado em sua bolsa ao encontrá-los esquecidos.

Um "laudo informal" avaliou o bem em R$ 200. Para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), o caso não se enquadraria no princípio da insignificância porque o valor do bem seria superior a 30% do salário mínimo então vigente, quando só poderia ser considerado futilidade o furto que alcançasse bem de no máximo 10% desse valor.

Além disso, para o TJRS, o furto teve significado para o proprietário, que chegou a registrar a ocorrência na esperança de reaver os óculos. Ainda segundo o TJRS, como o furto ocorrera durante a tarde, em uma casa lotérica, o ato indicaria "considerável periculosidade social e comportamento com elevada reprovabilidade". A decisão do TJRS foi unânime.

No STJ, o Ministério Público Federal também se manifestou contrário ao trancamento da ação. Para o MPF, aplicar o princípio da insignificância no caso resultaria no estímulo à prática do crime e à impunidade, violando o direito constitucional à propriedade e dando proteção deficiente à vítima.

O ministro Marco Aurélio Bellizze, em decisão individual, atendeu à defesa e extinguiu a ação. Para o relator, a conduta é minimamente ofensiva, além de se tratar de acusada primária e de bons antecedentes.

Inconformado, o MPF recorreu da decisão individual. Mas a Quinta Turma, por unanimidade, rejeitou o agravo regimental no recurso em habeas corpus e confirmou o entendimento do relator.

"Sem razão o Ministério Público Federal", anotou o ministro. "A lei penal não deve ser invocada para atuar em hipóteses desprovidas de significação social, razão pela qual os princípios da insignificância e da intervenção mínima surgem para evitar situações dessa natureza, atuando como instrumentos de interpretação restrita do tipo penal", acrescentou.

"É bem verdade que, aceita a ideia de forma irrestrita, o Estado estaria dando margem a situações de perigo, na medida em que qualquer cidadão poderia se valer de tal princípio para justificar a prática de pequenos furtos. Isso incentivaria, por certo, condutas que atentariam contra a ordem social", ponderou o relator.

"No presente caso, a meu ver, verifica-se a presença dos referidos vetores, já que, além de o recorrente ser primário e de possuir bons antecedentes, o par de óculos subtraído foi avaliado em R$ 200. Portanto, não há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade da conduta praticada pelo recorrente", concluiu.

Durante o julgamento, o ministro observou que a prática narrada nem mesmo configuraria furto (artigo 155 do Código Penal), mas apropriação de coisa achada (artigo 169, inciso II), cuja pena é significativamente inferior e ainda sujeita à forma privilegiada.

Processo: RHC44461

Fonte: STJ