Situação de empresa concordatária pode justificar mudança de foro eleito em contrato


19.06.12 | Trabalhista

A condição de concordatária demonstra a dificuldade de acesso ao Judiciário da companhia recorrida, economicamente fragilizada; ademais, não haveria prejuízo à Caixa, considerando sua abrangência nacional.

A difícil condição financeira de sociedade em concordata justifica a mudança de foro eleito em contrato, desde que não haja prejuízo para a outra parte. A decisão foi proferida pela maioria dos ministros da 3ª Turma do STJ, que negou provimento a recurso da Caixa Econômica Federal (CEF).

A instituição financeira pretendia reverter julgado do TRF4, que manteve a Justiça Federal de Curitiba como competente para julgar ação por danos morais e materiais movida contra a CEF por empresa de engenharia.

A firma firmou contrato com a insituição em 2003, para a construção de blocos de apartamentos pelo Programa de Arrendamento Residencial, no valor de R$ 3,2 milhões. Entretanto, alegou que a obra não poderia ser concluída pelo preço pactuado devido a necessidades não previstas, como reforço estrutural na área onde a obra ocorria.

Apesar dos avisos de insustentabilidade do projeto, a Caixa não reviu o valor do contrato nem ressarciu a companhia das despesas extraordinárias, o que a levou a pedir concordata preventiva em Curitiba. Posteriormente, ajuizou ação de reparação por danos materiais e compensação por danos morais contra a CEF, alegando que sua derrocada financeira teria sido causada pela instituição.

O banco suscitou incompetência do órgão julgador curitibano e alegou que, como os imóveis seriam construídos em Belém do Pará, lá deveriam ser processadas eventuais ações. Isso estaria previsto no contrato e também seria determinado pelo art. 95 do CPC, que prevê que a competência para julgar ações tratando de direito real sobre imóveis é do foro no qual eles se situam. O TRF4 acolheu recurso da empresa de engenharia e manteve a competência da Vara Federal de Curitiba.

Vícios no contrato

O TRF4 considerou que a cláusula do contrato que estabeleceu o foro em Belém teria vícios. Também apontou que a mudança de foro para Curitiba não traria prejuízo para a CEF, já que ela tem representação legal nas duas cidades. A instituição financeira interpôs recurso ao STJ, insistindo na tese de desrespeito ao art. 95 do CPC.

A instituição alegou também violação do art. 111 do CPC, que define que a competência é inderrogável por convenção das partes, e do art. 3º do CDC, que define obrigações de fornecedores de bens e serviços. Afirmou que a alegada hipossuficiência deveria ser aferida no momento da contratação e não justificaria a invalidação de cláusula de eleição.

Em suas considerações, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, apontou que o CDC não é aplicável à hipótese. O STJ aceita excepcionalmente que o Código seja aplicado em favor de pessoas jurídicas quando há típica relação de consumo – circunstância, contudo, que não ocorre na hipótese. A Caixa não atuou como banco visando lucro, mas como agente público gerindo o programa empregado e estimulando a construção de moradias populares.

Quanto ao art. 95 do CPC, a ministra entendeu que a ação não trata de direito real sobre imóveis. "Não se discute nenhuma questão relacionada à matéria disciplinada pelo direito real, tal como ocorre nas ações possessórias. O que se discute na presente demanda são os supostos prejuízos sofridos pela empresa recorrida em razão da quebra contratual", afirmou, em seu voto.

A respeito da hipossuficiência, Nancy Andrighi salientou que a eleição de foro em contrato é válida, salvo se a parte não tinha conhecimento suficiente das consequências, se inviabilizar ou dificultar o acesso ao Judiciário ou se for contrato de obrigatória adesão para fornecimento de produto ou serviço exclusivo por determinada companhia. O TRF4 reconheceu que o contrato era de adesão e que a firma de engenharia seria hipossuficiente.

A ministra afirmou que tão somente o porte da CEF não torna a parte adversa vulnerável e hipossuficiente. A condição de concordatária, todavia, demonstra a dificuldade de acesso ao Judiciário da empresa recorrida, economicamente fragilizada. Destacou, ademais, que não haveria prejuízo à Caixa, conforme observado pelo TRF4, considerando sua abrangência nacional.

Acompanharam o voto da relatora, negando provimento ao recurso da instituição, os ministros Massami Uyeda e Paulo de Tarso Sanseverino. Ficaram vencidos os ministros Sidnei Beneti e Villas Bôas Cueva.

Processo nº: REsp 1073962

Fonte: STJ