A 6ª Turma do TRF1 decidiu que obrigar cliente a pagar gorjeta, sem amparo legal, configura abuso contra o consumidor.
O sindicato de hotéis, restaurantes, bares e similares de Brasília garantiu aos seus estabelecimentos, por meio da portaria Sunab n.º 04/94, a possibilidade de acrescerem compulsoriamente qualquer importância às notas de despesas de seus clientes, a título de gorjeta, desde que previstos por convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo ou dissídio coletivo.
A Sunab arguiu que a portaria impugnada decorre de sua competência para intervir no domínio econômico, mediante o estabelecimento de normas de comercialização firmadas nas leis delegadas n.ºs 4 e 5 de 1962.
Na sentença, relator, desembargador Antônio Souza Prudente, asseverou que tais dispositivos, entretanto, não dão à Sunab legitimidade para legislar sobre "gorjetas" ou taxas de serviço, uma vez que autorizam tão-somente a aplicação da legislação de intervenção no domínio econômico.
O magistrado ressaltou que o Estado, quando intervém no domínio econômico, visa apenas coibir abusos como a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros, o que em nada se relaciona com a matéria ora tratada, evidenciando a ilegitimidade da Sunab para autorizar cobrança compulsória da gorjeta.
Segundo o relator, mesmo que a Sunab tivesse a competência que alega, jamais uma convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo ou dissídio coletivo poderia ultrapassar a relação empregador-empregado, para prever e estabelecer obrigações compulsórias a terceiros, bem como extrapolar as questões laborais.
O desembargador entendeu que a portaria da extinta Sunab e a convenção coletiva que instituiu a cobrança da gorjeta nunca poderiam ser consideradas medidas interventivas no poder econômico, na forma prevista em lei, além de não poder o ato ora atacado ser considerado regulador da economia, nem relativo a controle de preços, como querem fazer crer os réus, pois não existe abuso do poder econômico nem atos praticados contra a ordem econômica.
O MPF destacou que, na sociedade brasileira, as chamadas gorjetas consistem em importância que o cliente geralmente paga ao empregado do estabelecimento em que consome algum bem ou serviço, em decorrência do bom atendimento que lhe é dado. Trata-se, pois, de uma faculdade do cliente, que não é obrigado legalmente ao pagamento de tal valor. Sendo assim, a cobrança obrigatória de qualquer importância a título de gorjeta sem amparo legal configura ato ilegal e abusivo em face do consumidor.
O relator acrescentou que o fato de as gorjetas integrarem a remuneração do empregado, tal como estabelece a CLT, não implica a obrigatoriedade do seu pagamento, até porque o próprio diploma normativo dos trabalhadores dispõe que as gorjetas constituem importância espontaneamente paga pelo cliente ao empregado.
Prudente reconheceu ser manifestamente ilegítima a cobrança de gorjeta amparada em mero ato normativo ou decorrente de convenção coletiva de trabalho, cuja eficácia abrange, tão-somente, as partes convenentes, não produzindo efeitos em relação a terceiros, como no caso, em que se pretende transferir ao consumidor, compulsoriamente, a sua cobrança, em manifesta violação ao princípio da legalidade. Ele concluiu o seu voto mantendo os fundamentos da sentença em todos os seus termos. (Apelação Cível n.º 2001.01.00.037891-8/DF).
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Fonte: TRF1