Pesquisa entre advogados indica pequena confiança no Supremo


25.11.08 | Advocacia

O XX Congresso Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), realizado entre os dias 12 e 16 de novembro, em Natal (RN), tornou-se um encontro de variada utilidade. Entre outros méritos, promoveu um importante debate sobre o Estado de Direito e Estado Policial, foi palco para a anistia do ex-presidente João Goulart e, também, campo para pesquisa de opinião que traz uma revelação surpreendente: é muito baixa a confiança dos advogados no STF.

A pesquisa perguntou, sem apresentar alternativas, qual era a instituição do Estado brasileiro em que o entrevistado mais confiava. Embora manifeste confiança no Poder Judiciário como um todo, o STF ficou na base da tabela de respostas com apenas 1% na referência à credibilidade. Abaixo dele somente instituições não identificadas por terem obtido um porcentual de citação inferior a 1% das respostas.

“Isso talvez reflita, principalmente, a intromissão do Judiciário na política. Um papel que, nos últimos tempos, é capitaneado pelo Supremo. A chamada judicialização da política pode não estar sensibilizando a sociedade, neste caso, representada pela reação dos advogados”, interpreta o cientista político Adriano Oliveira, coordenador de pesquisas do Instituto Maurício de Nassau, de Pernambuco.

A resposta pode expressar também os efeitos recolhidos por outra pergunta da pesquisa. Nela, 90% dos advogados consideram que há influência política no Judiciário. Não haveria, nesse caso, respingo das decisões do ministro Gilmar Mendes nos episódios da Operação Satiagraha?

“Devemos considerar, entretanto, que o STF é um tribunal extremamente político e que a maioria dos advogados consultados não atua nele. O contato é com a magistratura estadual ou, um pouco, a federal. O STF está distante deles”, pondera Oliveira.

A pesquisa também escancarou como defendem seus interesses os membros dessa influente e poderosa categoria profissional. "Há contradições que caracterizam o elevado grau de corporativismo entre os advogados e que já se estende igualmente aos bacharéis em Direito", diz o cientista político. Além de situar a OAB no topo das instituições em que mais confia, o maior flagrante de como a maioria dos advogados põe os interesses próprios acima do interesse coletivo está na defesa cerrada do denominado Quinto Constitucional. Essa é uma disposição da Constituição Brasileira que reserva um quinto dos lugares nos tribunais para advogados e membros do Ministério Público, com mais de dez anos de exercício da profissão.

"Esse é um mecanismo que não dá condições de igualdade aos postulantes. Quem tiver um melhor padrinho político, o governador do estado é o melhor deles, terá mais chances. No entanto, a maioria dos advogados (68,2% na pesquisa) o considera um instrumento de democratização", explica Oliveira.

Basta aproximar a resposta dada a esse quesito da pesquisa, no qual 68,2% são a favor do Quinto, da resposta dada à indicação dos ministros do STF pelo presidente da República, em que 57,3% são contra, para expor a incoerência da situação. Esse espírito de corpo se materializa ainda melhor quando 90% dos advogados apontam, certamente com viés de restrição, que existe influência política no Poder Judiciário brasileiro.

Oliveira pergunta: "Por que os profissionais de Direito, em maioria, consideram que não é adequada a nomeação de ministros do STF por parte do presidente da República? Caso eles suspeitem de algum tipo de influência sobre o nomeado, estamos diante de uma contradição, pois os pesquisados são favoráveis ao Quinto Constitucional, mas não levantam suspeita sobre ele". O porcentual de 13,5% que são contra aponta um núcleo de reação onde estão, sem dúvida, aqueles que consideram (14,6%, segundo a pesquisa) o Quinto Constitucional um instrumento de "politização do Poder Judiciário".

Ou seja, um risco para a necessária independência dos magistrados. Mas surpreendente mesmo é o fato de expressivos 18,3% das respostas daqueles que desconhecem o tema. Isso acaba reforçando o alto porcentual de 86,3% dos que são favoráveis ao Exame da OAB, que sofre contestação, para os formados em Direito.

Curiosidade suscitada pelos números: subtraído de 100% o porcentual de quem não sabe o que é o Quinto, sobra quase que o mesmo porcentual favorável ao exame da ordem.

O trabalho seguiu o padrão científico, segundo o coordenador da pesquisa. Havia 5 mil inscritos no Congresso. Foram feitas 506 entrevistas. A amostra fez corte por sexo, faixa etária, renda e formação. Neste último caso, foram ouvidos 37,4% de estudantes de Direito; 40,2% de bacharéis em Direito; 13,3% de advogados com curso de mestrado e 9,1% com doutorado.

Vários outros temas freqüentaram a pesquisa. A fiscalização dos grampos telefônicos na investigação policial, por parte da Justiça, teve um apoio expressivo dos advogados. Apenas 26% são contra e 3% que não responderam ou não tinham opinião formada. Isso significa, lembra Oliveira, que "em algum instante" eles são favoráveis a que o Poder Judiciário fiscalize a ação da polícia.

A pesquisa entrou em outras questões polêmicas. Uma delas é o que o cientista político chama de "disputa obtusa" entre a polícia e o Ministério Público. Desde que a Associação dos Delegados de São Paulo protocolou uma ação de inconstitucionalidade no STF, armou-se uma disputa em torno do direito de o Ministério Público investigar. Os advogados têm uma visão mais progressista nesse item, em contraste com outras razões conservadoras: 71% defendem que o MP deve ter o direito de investigar.

Outro ponto discutido é sobre o uso de algemas, um assunto melindroso para os advogados que representam clientes de "colarinho-branco". Foi só a partir da prisão de acusados por crimes financeiros que o camburão e as algemas passaram a ser debatidos.

Perguntados se eram a favor "do uso de algemas em pessoas detidas, mesmo que elas não apresentem ameaça", os advogados, em maioria de 61,7%, disseram "não", ante 35,9% de "sim".

Oliveira considera que "todos os tipos de todas as classes sociais deveriam ser algemados quando forem detidos". Desconsiderado esse princípio, ele acredita que pessoas como "Daniel Dantas e companhia" seriam privilegiadas. Ele ainda fareja preconceito nas respostas. E propõe:

"Se exibíssemos as fotos de um homem branco de paletó, algemado, e um homem negro sem camisa, algemado, as pessoas diriam que o segundo deve ser algemado, o primeiro, não".




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Fonte: Carta Capital