|   Jornal da Ordem Edição 4.283 - Editado em Porto Alegre em 23.04.2024 pela Comunicação Social da OAB/RS
|   Art. 133 - O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Constituição Federal, 1988
NOTÍCIA

31.08.18  |  Advocacia   

Colégio Nacional de Presidentes: “Gratidão é dívida que não prescreve, gratidão é a memória do coração. Por isso sou, e serei eternamente grato, a todos e todas vocês”, bradou presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia

Foto: Lucas Pfeuffer - OAB/RS

Foto: Lucas Pfeuffer - OAB/RS

Foto: Lucas Pfeuffer - OAB/RS

Foto: Lucas Pfeuffer - OAB/RS

O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, falou aos 27 dirigentes seccionais da OAB, durante a abertura do Colégio de Presidentes de Seccional da OAB, nesta quinta-feira (30), em Gramado. Lamachia abordou o contexto atual político brasileiro e também os desafios da advocacia e sua atuação como presidente da OAB nacional. Gaúcho, o dirigente comemorou a hospitalidade do Rio Grande do Sul que recebe, após 10 anos, mais uma edição do evento. “Este é, para todos nós no Rio Grande do Sul, um momento de simbolismo receber os 27 presidentes seccionais nesta cidade maravilhosa. Falo aqui com a razão, mas também com o coração”, emocionou-se.

Confira o discurso na íntegra de Claudio Lamachia:

Na reta final deste nosso mandato – e digo “nosso” por ser a presidência da OAB missão colegiada -, atribuo forte simbolismo a este encontro nacional de presidentes.

Ele dá testemunho da unidade que marca esta nossa gestão, em meio a um dos mais turbulentos – senão o mais turbulento – período de toda a história de nossa República.

Nele, presenciamos o strip-tease moral das instituições, chamuscadas por denúncias de corrupção, que não pouparam qualquer dos Poderes - e levaram ao banco dos réus ex-presidentes, governadores e ex-governadores, ministros de Estado, parlamentares e alguns dos mais poderosos empresários do país.

Com a sociedade fracionada pelo desconcerto da política, conseguimos a façanha de obter coesão interna para questões explosivas e incontornáveis, como o impeachmentda presidente Dilma Rousseff e, na sequência, o do presidente Michel Temer, que a cumplicidade política da presidência da Câmara fez arquivar.

Tivemos também forte protagonismo, inclusive junto ao STF, nos acontecimentos que resultaram na deposição e cassação do então todo-poderoso presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, hoje presidiário em Curitiba. Quando o denunciamos e fomos ao Supremo pedir seu afastamento, era uma das figuras mais poderosas da República.

Nesse ambiente, sem perder a serenidade, o equilíbrio e o bom senso, agimos sempre com a firmeza necessária. Não o fizemos em busca de aplausos, pois não somos populistas, mas em defesa da democracia e do bem comum.

Não poucas vezes, no curso desse processo, o país viu-se ameaçado em suas conquistas civilizacionais mais elementares.

De um lado, a pretexto da crise – política, econômica, social e moral -, os saudosos do autoritarismo clamavam por intervenção militar; de outro, os que, confundindo justiça com justiçamento, propunham, por outra via, o mesmo retrocesso institucional, supondo poder combater o crime cometendo outro crime, como tenho dito há muito tempo – o da profanação do devido processo legal.

Até mesmo a supressão do habeas corpus, restabelecido em pleno regime militar, graças à ação de nosso saudoso presidente Raimundo Faoro, chegou a ser proposta, em nome – pasmem! - da justiça. E não apenas: nas tais Dez Medidas contra a Corrupção, que tivemos a ousadia de combater na Câmara dos Deputados, propunha-se, com a maior naturalidade, a obtenção de provas por meio ilícito.

A truculência recorrente de alguns agentes da lei põe em cena a insegurança jurídica. Esta semana, por exemplo, integrantes do Ministério Público Federal e da Polícia Federal tentaram intimidar e censurar professores da Universidade Federal de Santa Catarina, que criticaram operação policial que resultou, em dezembro do ano passado, no suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo.

Liberdade de expressão, ainda que crítica a operadores do Direito e ao Estado, não é matéria de ordem penal – ou apenas o elogio e o aplauso são permitidos?

Não foi – e não é - fácil, em tal ambiente, estar à frente desta tribuna da cidadania, que é a OAB. Tribuna que, por imperativo estatutário – e nosso Estatuto é lei federal -, nos obriga a defender a Constituição, a boa aplicação das leis, os direitos humanos e o Estado democrático de Direito. Ou seja, intervir na cena política sem tomar partido.

O partido da OAB é o Brasil e a nossa ideologia é a Constituição Federal.

Frequentemente, dentro dessa missão, tivemos que arcar com o ônus da incompreensão, na defesa não de delitos ou de infratores, mas do devido processo legal. Sem ele, não há justiça.

O anseio da sociedade – justo, necessário e louvável – por uma profilaxia na vida pública tem sido, de maneira recorrente, objeto de manipulação demagógica. Nesses termos, tem ensejado o descumprimento de fundamentos básicos do Estado democrático de Direito, expresso sobretudo no desrespeito a algumas prerrogativas da advocacia.

O artigo 133 da Constituição, que declara que o advogado é inviolável por seus atos e manifestações no exercício de sua profissão, não foi suficiente (embora devesse ser) para garantir nossas prerrogativas.

Fomos obrigados, em face das sistemáticas violações, a propor a criminalização da quebra das prerrogativas.

O projeto de lei que criminaliza o desrespeito das prerrogativas já foi aprovado no Senado e, remetido à Câmara, igualmente aprovado na Comissão de Constituição e Justiça. Estamos, portanto, a um passo dessa conquista histórica, que há de marcar nossas gestões - e não apenas por ser um justo anseio da advocacia, mas pelo fato de ser benéfica sobretudo à sociedade.

Nós falamos em nome do cidadão, pelo cidadão e em respeito ao cidadão.

As prerrogativas, como sabemos, não são apenas do advogado, mas sobretudo da cidadania.

É ela o objeto da defesa, ainda que eventualmente - e nem sempre é assim - simbolizada na pessoa de um infrator.

Quando se nega ao advogado acesso aos autos de um processo – e isso tem ocorrido com frequência -, nega-se ao cidadão o direito de defesa, o mais elementar dos direitos humanos.

Quando isso acontece, o prejuízo maior não é do advogado, mas da própria sociedade. Não pode a ânsia condenatória presidir o devido processo legal, ainda que a voz das ruas, sempre sujeita, como disse, a manipulações, esteja clamando por punição.

Por isso também precisamos bradar pela defesa das prerrogativas da magistratura. A única pressão admissível é a da lei. Fora dela, dizia Ruy Barbosa, não há salvação. E dizia ele também que a democracia, não disciplinada pelo Direito, apenas como voz das ruas, “é uma das expressões da força, e talvez a pior delas”.

Não há justiça fora da lei – e não há justiça sem ampla defesa. E sem justiça, não há democracia – não há civilização.

Exatamente por essa razão, porque tem de se submeter a um processo, com espaço para a defesa e o contraditório, é que não há justiça sumária.

Sei que não digo nada de novo, sobretudo diante de uma plateia de especialistas. Mas a conjuntura presente do país exige com frequência que se volte ao beabá do Direito, tal a recorrência de infrações aos postulados básicos.

Tenho dito, e aqui repito, que a justiça não é um espetáculo, nem pode se submeter a regras que lhe são estranhas.

A Constituição e os códigos não são um detalhe, como alguns parecem pensar. São a própria essência do fazer jurídico. Dele, não podemos nos afastar, sob nenhuma hipótese, ainda que a pretexto de maior eficácia ou celeridade nos resultados.

Não podemos permitir que, em nome da Justiça, se estabeleça o populismo judicial. Justiça e demagogia são termos e conceitos que se repelem - e não há como conciliá-los.

Mas não é apenas a afronta ao processo legal, nutrida pelo populismo e a politização judiciais, que ameaça a justiça no país. O anacronismo estrutural do Judiciário, incapaz de atender as demandas da sociedade, é outra – e grave - anomalia.

O déficit de magistrados – 18 mil juízes para mais de 200 milhões de habitantes - resulta no espantoso número de municípios sem juiz titular. Sem Justiça, portanto.

Segundo o “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça, os cargos vagos da magistratura - criados por lei, mas não preenchidos -, representavam, ano passado, 19,8% dos 18 mil juízes do País. Esse é, por baixo, o déficit de juízes no Brasil: quase 20%.

O maior índice de cargos vagos está na Justiça Federal (26%), mas outros ramos ostentam números parecidos, como a Justiça Estadual (22%).

A vacância desses cargos decorre de dois fatores: ou do reduzido número de aprovados ou de restrições orçamentárias para provê-los.

No caso presente, ambas as circunstâncias concorrem: carência de mão de obra qualificada – reflexo da crise das instituições de ensino e do estelionato educacional patrocinado pelo MEC com a absurda proliferação de faculdades de direito no país autorizadas a funcionar, de forma irresponsável, sem levar em conta critérios técnicos e de qualidade dos cursos e também da carência de recursos.

O resultado disso é que um dos postulados básicos da Justiça, que é estar onde o cidadão dela necessite, não se cumpre.

É de absoluta importância a presença de juízes em todos os dias da semana nas comarcas de 1º grau. Juiz deve estar na comarca e lá estar integrado com a comunidade. Sem essa base, todo o edifício jurisdicional se enfraquece – ou mesmo desmorona. Férias judiciárias de 60 dias são outro absurdo, um delito contra a cidadania.

Disso resulta a lentidão da Justiça, que a torna disfuncional - e, nesses termos, contribui para fixar, perante a sociedade, o sentimento de impunidade. Mais grave ainda é que isso se dá num país que, já há alguns anos, exibe um índice absurdo e escandaloso de mais de 60 mil homicídios por ano. Índice de guerra civil, cenário que exige, acima de tudo, eficiência do aparelho judiciário.

Mas, se o Estado não investe na melhoria estrutural da Justiça e do sistema prisional – e se a gestão é deficiente -, o que se tem é um ambiente de estímulo à expansão do crime e do desmando administrativo.

Esse o grande drama brasileiro contemporâneo: o clamor não atendido - não ao menos em prazo razoável – por justiça.

A excepcionalidade do quadro político-institucional e a descrença geral da sociedade em seus dirigentes potencializam a percepção dessas dificuldades.

A OAB moveu-se, nesta gestão, nesse campo minado, evitando agir por impulsos, buscando firmeza e clareza na força da serenidade.

Nossa força decorreu – e decorre - da unidade que, para além de eventuais divergências político-ideológicas, soubemos construir e manter – e sem a qual não teríamos estabelecido inúmeras conquistas e contribuído para garantir, em meio a tempestades, mais um ciclo eleitoral em nosso país.

Não serei juiz em causa própria, mas, nesta reta final de nosso mandato, com a consciência tranquila e o sentimento do dever cumprido, evoco, para encerrar, um dito do grande escritor alemão Goethe: “Não sei se estive certo, mas sei que procurei o certo por onde estive”.

Muito obrigado.”

 

Fonte: OAB/RS

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