56
Publicado em 11.05.07

A maioridade penal e a função educativa da pena - Artigo de Cláudia de Marchi


Por Cláudia de Marchi,
advogada (OAB/RS nº 63.467)

 
Este não é apenas um artigo escrito por uma advogada defensora dos preceitos constitucionais. É um lamento, um desabafo. Este ano se iniciou com uma tragédia: a morte do menino João Hélio no mês de fevereiro, de forma estupidamente brutal, lamentavelmente trágica.
 
Sendo que um dos envolvidos era menor de idade, mais uma ver emergiu a discussão a respeito da redução da maioridade penal. Argumentos a favor e contra existem vários. Como cidadã, porém, me indago: “qual é o mistério?”.
 
Ora, qual o mistério em punir um delinqüente que tirou a vida de uma criança? Ou de um pai de família, enfim, de uma pessoa que tinha a sua frente muitas possibilidades, tinha, como diria meu avô materno, “muita vida para viver”?
 
Não existe mistério algum. Educação? Talvez seja o que falte. Aliás, aproveitando tal palavra convém lembrarmos das surras, pequenas ou grandes, que levávamos quando éramos crianças. Se psicólogos e psicanalistas discordam do “laço” como forma de educar e reprimir, não me importa. Sei, porém que meus pais foram educados de tal forma e sempre foram pessoas honestas e respeitosas.
 
Enfim, quando “aprontávamos” na infância, recebíamos uma punição. Seja um “castigo” – caracterizado como a proibição de fazermos algo que gostávamos -, seja uma surra, ou, como acontecia comigo um sermão bastante longo que era, literalmente, “castigante”, (talvez por isso tenha me tornado uma pessoa afim com as palavras - ele salvam as relações humanas e também são educativas).

Pois bem, a pena nada mais é do que um castigo a quem desobedece a lei ferindo direitos humanos, maculando bens jurídicos relevantes.
 
Então, qual o mistério em punir um menor infrator? Ah, dizem que misturar jovens com “bandidos” mais velhos em penitenciárias iria prejudicá-los, psíquica e moralmente, ainda mais. Pois bem, ai a questão é outra, e não afasta a necessidade de punição da pena integralmente aos infratores sejam eles maiores ou menores de idade. Quando os pais não cumprem o castigo atribuído aos filhos, acabam criando neles a certeza de que sempre sairão ilesos.
 
E o País é “o pai” desses menores criminosos. Se falta educação, cultura, se a saúde esta um caos, se o sistema carcerário é lamentável, não é por falta do cumprimento das obrigações fiscais e tributárias dos cidadãos honestos- que são a maioria nesta Nação. É, pois, pelo desvio de milhões, pelas malas de dinheiro que “voaram” para algum lugar “incerto e não sabido”, é, pois, pela malandragem desonesta e aberrante dos políticos eleitos pelo povo. Povo calejado, cheio de esperança e inocência num País de política assistencialista e nada meritocrática - os beneficiados aqui são os necessitados e não os que agem com méritos de “bons cidadãos”.
 
Se os presídios fossem organizados, ou melhor, se existissem mais presídios oferecendo aos criminosos possibilidade de desenvolvimento de habilidades (trabalho, leitura, enfim), se os apenados contribuíssem de alguma forma para o País, a pena demonstraria sua função educativa e de repressão.

Os criminosos, ao menos, saberiam que se “pegos” fossem teriam uma pena para cumprir integralmente, todavia, eles estão fazendo pouco caso da lei (prefiro usar com letra minúscula) e do Judiciário. Os menores estão matando porque sabem que não serão “presos”, apenas passarão um tempo numa instituição que, tal qual o presídio (diga-se, na forma em que funciona atualmente), nada irá lhes ensinar de bom.
 
Mistérios? Eles não existem. Falta, porém boa vontade dos governantes, mobilização social e reflexão dos juristas que estão ignorando o caos de violência que o País esta vivendo. Precisamos conjugar teoria e prática. Pacifismo sim, passividade não. Devemos ser fortes para erguer bandeiras e reivindicar do Executivo a retribuição em melhorias sociais dos tributos que pagamos pena de estarmos assinando embaixo de suas omissões nada misteriosas, mas, muito criminosas. Omissões que ferem nossos direitos precípuos e fundamentais.
 
(*) E.mail: [email protected]