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Publicado em 16.05.14

Artigo do presidente da OAB/RS: República federativa de ficção


 

República federativa de ficção

Por Marcelo Bertoluci – presidente da OAB/RS



As expressões "república" e "federativa", que compõem o nome oficial do Brasil, entram em xeque quando se trata das relações da União com os estados e municípios, e, em especial, as econômicas. Por ser o poder Executivo o detentor de um poder quase absoluto sobre os recursos a serem aplicados pelas administrações estaduais e municipais, fica evidente que essa relação compromete a prática, tornando teórica e fictícia a denominação federal do País e contestando a legítima aspiração dos brasileiros por um Estado democrático e material de direito em todos os níveis.

Para se ter uma ideia, segundo dados da União, o orçamento aprovado de 2014 sacrifica ainda mais as 27 unidades da federação e os mais de cinco mil municípios, que receberão somente 9,9% das receitas, enquanto 42% dos recursos serão destinados para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Há uma verdadeira agressão ao pacto federativo. É inaceitável e, mais do que isso, inconcebível, que os estados comprometam, por exemplo, 13% do orçamento estadual para a União, enquanto as verbas em saúde e em precatórios ficam entre 11% e 1,5%, respectivamente.

Evidente que não é um problema apenas do Rio Grande do Sul, mas a OAB/ RS, preocupada com a saúde financeira que compromete todos os segmentos da cidadania do Estado, foi ao Supremo Tribunal Federal. Ajuizamos, em 2012, a Ação Civil Originária nº 2.059, buscando a judicialização da temática da dívida contraída pelo Estado junto à União. Convictos da importância dessa pauta, também encampamos uma mobilização interinstitucional com representações do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, além de entidades da sociedade civil. Percorremos os gabinetes do Senado, enfatizando a necessidade de votação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 99/2013, que altera o indexador da dívida do Estado.

Estamos atuando por soluções concretas para um problema de tantas décadas. Mesmo entendendo que o projeto de lei é menos abrangente que a ação no STF, a OAB/RS admite, por ora, a absorção do possível frente ao ideal aspirado. Não podemos, porém, deixar de lembrar que o ideal vislumbra indicadores de correção mais justos que, como tal, atendem tanto à expectativa pela saúde financeira do Estado quanto a da cidadania por serviços públicos convergentes com a dignidade. Em sua vocação constitucional inarredável, a OAB/RS tem a obrigação de alertar: se a conquista das liberdades públicas oriundas da Constituição de 1988 comemora, justamente, um quarto de século, a concretude dos direitos cidadãos não passa, ainda, de uma aspiração. Sem esta, os termos "república" e "federativa" da denominação oficial brasileira permanecem como ficção.